A modo de exemplo, registaram-se temperaturas máximas – e muitas vezes inéditas em períodos temporais homólogos – de 46.6ºC em Portugal, 45.5ºC em Espanha, 42ºC na França, 39ºC na Alemanha, 35.8ºC no Reino Unido… tudo a confirmar o dado arrepiante que mencionava na coluna de há três meses e que levou, no Japão, à hospitalização de quase 85 mil pessoas, entre 1 de maio e 24 de agosto: à volta de 500 mil pessoas morrem anualmente pelos efeitos do calor extremo… o que faz deste risco da natureza o mais letal de todos, superando os efeitos combinados de cheias, furacões e terramotos.
Respondendo ao meu próprio desafio do que se poderia fazer desde o mundo da construção e do imobiliário para mitigar o referido risco estrutural emergente e os seus impactos associados – especificamente no âmbito das infraestruturas de apoio e envolventes destinadas a combater as próximas ondas de calor e uma conceção urbanística virada para o arrefecimento dos entornos – fui investigar e encontrei uma iniciativa que me parece louvável e digna de ser estudada como base de iniciativas futuras, mais ou menos replicadas: o projeto-piloto Cool Noons. Resumindo muito, trata-se duma ação europeia, financiada pelo programa Interreg Euro-MED, destinada a testar e promover soluções inovadoras em áreas urbanas de alta utilização afetadas pelas vagas de calor, no intuito de arrefecê-las. Claro que existe nela um eixo central de desenvolvimento vinculado ao turismo de cidade sustentável (alicerçado na adaptação da oferta de valor ao visitante e a garantia de resiliência da própria atividade económica), mas o meu interesse radica nos elementos de implementação dos quais, naturalmente, também beneficiam os residentes habituais. Nessa perspetiva, podemos apreciar uma metodologia combinada de evidência científica, criatividade e pragmatismo, assente num catálogo de cinco categorias de soluções – idealizadas, desenvolvidas e testadas em Lisboa, Marselha, Imola, Dubrovnik e Budva – conducentes à identificação e reforço dos denominados Cool Paths.
Assim, temos soluções colaborativas com a natureza – incluindo a restauração ou conservação de ecossistemas, através da proliferação de árvores, jardins e plantas verticais com baixa necessidade de rega em ruas, praças e imóveis – cujos impactos mais evidentes são um aumento das zonas de sombra, a redução efetiva da temperatura global da cidade e a moderação da pegada de carbono em espaços públicos e privados. Paralelamente, e numa perspetiva sinérgica com as anteriores, encontramos soluções baseadas na utilização da água, como, por exemplo, a multiplicação de bebedouros e fontes ou a instalação de sistemas de aspersão, no intuito de disponibilizar refúgios de calor e recursos acessíveis de refrescamento para as pessoas. Por outra parte, apresentam-se propostas relativas à colocação de toldos de sombra e equipamento urbano de cores claras em zonas verdes sombreadas e próximas de corredores de ventilação natural, com o propósito de atrair as pessoas para esses espaços mais frescos, reduzindo os efeitos do calor na saúde pública. Finalmente, a iniciativa Cool Noons convida os cidadãos a pensar em padrões de comportamento que permitam uma redução dos gases de efeito estufa. Referem-se, portanto, ideias relacionadas com o aumento de varandas verdes (vegetação nos imóveis) que contribuam, simultaneamente, para o aumento da atividade de polinização (ecossistemas) e as sinergias com as soluções colaborativas com a natureza; ou com o alargamento progressivo das faixas pedonais e zonas sem circulação de viaturas que permitam, também, um arrefecimento das áreas pavimentadas e uma melhoria na qualidade do ar.
O projeto Cool Noons não responde integralmente ao risco emergente, mas endereça um excelente convite para pensar o futuro das cidades perante as alterações climáticas. Bravo!