Carlos Suárez
Carlos Suárez
Administrador da VICTORIA Seguros

Garantias e seguros de rendas: uma solução para dinamizar o arrendamento em Portugal?

21/10/2025

Posto isto – e com independência doutros problemas estruturais do mercado de locação no nosso país – admitimos que um dos receios mais confessados pelos senhorios é o risco do incumprimento da obrigação de pagamento, por parte do inquilino. A questão que se coloca, portanto, é se um esquema lato e mais ou menos obrigatório de garantias e seguros, nesse âmbito, poderia ajudar a gerar a confiança necessária nos proprietários privados como para incrementar a oferta de habitação para o arrendamento. Selecionando esse ângulo, o caso francês parece ter uma resposta adequada, quer do lado da oferta (Garantie Loyers Impayés – GLI), quer do lado da procura (Visa pour le Logement et l'Emploi – Garantie Visale – GV). 

A GLI assenta no modelo segurador privado clássico – ainda que bastante mais abrangente que o da nossa realidade portuguesa – e protege o proprietário da perda de rendas e dos danos sofridos pelo imóvel e, ainda, o defende em caso de litígio ou ocupação ilegal da propriedade. Pela sua vez, a GV – mais orientada à colaboração público-privada, nessa perspetiva, inexistente no nosso país – alicerça num dispositivo de caução gratuito ofertado pelo Estado e solicitado pelo futuro inquilino ao organismo Action Logement. É esse organismo que se compromete a pagar as rendas ou despesas ao proprietário, no caso de incumprimento das obrigações do inquilino, e que exerce o direito de regresso contra este último. Especialmente interessante é o facto de o senhorio não poder usufruir de ambos os mecanismos de proteção; i.e., deve ser feita uma escolha entre um seguro subscrito pelo proprietário ou uma garantia de caução oferecida ao arrendatário.

Aceitando o merecimento do mecanismo, convém perceber as caraterísticas de ambas as propostas. Do lado da GV, garante-se, para além dos danos provocados ao imóvel, a falta de pagamento de 36 mensalidades com uma franquia de dois meses. Uma particularidade deste instrumento é que limita o montante máximo de renda a pagar pelo arrendatário (€1.500 em ÎledeFrance e €1.300 no resto do país), o que o torna útil apenas para determinados perfis de beneficiários. As principais vantagens, porém, são a sua gratuitidade e tramitação totalmente digital. Do lado da GLI, garante-se o incumprimento do dever de pagamento do inquilino sem franquia temporal nem limite de mensalidades e os danos provocados ao imóvel, mas impera o tradicional método de seleção de arrendatários (scoring) e a solução é onerosa (prémios pagos à seguradora).   

Retomando a questão de início, poder-se-ia dizer que o sistema GV serve como instrumento facilitador de acesso de locatários fragilizados (p.e., jovens, trabalhadores com fontes de rendimento alternativas, agregados com taxas de esforço elevadas) ao mercado de arrendamento, ao passo que reduz os temores dos senhorios para disponibilizar os seus imóveis. A mesma lógica de redução da incerteza na exposição financeira do proprietário e o aumento da oferta de imóveis para aluguer aplica-se à solução seguradora GLI. Adicionalmente, em ambos os casos, reduz-se a necessidade de apresentação de outras garantias tradicionais (fiadores e valores em depósito, p.e.). 

Tomando o anterior em consideração, poder-se-ia equacionar o modelo francês – com o seu sistema de garantias e/ou mecanismo de subscrição de seguros de proteção de rendas – para tentar estimular o mercado de arrendamento nacional, fomentando a possibilidade de o senhorio colocar imóveis no mercado e, simultaneamente, reduzindo as barreiras de entrada para arrendatários de diferentes perfis.