O anúncio de um pacote europeu de medidas para a habitação, apresentado em Estrasburgo à margem da sessão plenária do Parlamento Europeu, assinala uma mudança relevante: o reconhecimento de que o acesso à habitação se tornou um desafio estrutural à escala da União Europeia.
Os dados ajudam a explicar essa viragem. Nos últimos dez anos, os preços da habitação cresceram na União Europeia muito acima dos rendimentos médios das famílias. Em Portugal, essa diferença é muito evidente: segundo dados europeus, o valor das casas mais do que duplicou na última década, enquanto os rendimentos cresceram a um ritmo significativamente inferior. Lisboa surge de forma recorrente entre as cidades europeias com maior aumento acumulado dos preços, tornando cada vez mais difícil o acesso à habitação para a classe média.
O pacote agora apresentado pela Comissão Europeia assenta em três eixos centrais: um plano para a habitação acessível, maior flexibilidade nas regras de ajudas de Estado e a introdução de limites ao alojamento local. A abordagem integrada é, em teoria, positiva. Mas a eficácia destas medidas dependerá menos da sua formulação política e mais da sua capacidade de aumentar, de forma concreta e sustentada, a oferta habitacional.
A experiência recente mostra que mercados onde a oferta não acompanha a procura tendem a gerar efeitos perversos. Em Portugal, a construção nova permanece muito abaixo das necessidades reais: constrói-se hoje menos de metade do que se construía no início dos anos 2000. Ao mesmo tempo, uma parte significativa das famílias vive com taxas de esforço elevadas, sendo que cerca de um terço das famílias arrendatárias destina mais de 40% do seu rendimento à habitação, um claro indicador de pressão estrutural.
Neste contexto, a flexibilização das ajudas de Estado pode representar uma oportunidade relevante, sobretudo se for usada para estimular projetos de construção e reabilitação destinados ao arrendamento de longa duração. Para que tal aconteça, é essencial que os mecanismos sejam capazes de mobilizar investimento privado. Sem investimento, não há escala. E sem escala, não há impacto duradouro.
Já o debate em torno do alojamento local exige especial prudência. Em determinados territórios, a sua concentração teve impacto na disponibilidade de habitação. Mas os números mostram também que o alojamento local representa apenas uma fração do parque habitacional total e está fortemente concentrado em zonas muito específicas. Transformá-lo na causa única da crise é ignorar problemas mais profundos: décadas de subprodução, processos de licenciamento morosos, carga fiscal elevada e instabilidade regulatória.
O maior mérito da iniciativa europeia reside, talvez, na mensagem política que transmite: a crise da habitação não se resolve com medidas avulsas nem com respostas ideológicas. Exige consensos alargados, políticas duradouras e uma visão que concilie o direito à habitação com a necessidade de investimento e desenvolvimento urbano sustentável.
Portugal tem agora a oportunidade de enquadrar estas orientações europeias numa estratégia nacional coerente. Uma estratégia que aumente a oferta, proteja quem precisa e devolva previsibilidade ao mercado. Porque só quando o consenso passa a ser a solução é que a habitação deixa de ser um problema crónico e passa a ser uma prioridade concreta.



