Durante meses, António tentou resolver o problema sozinho. Tapou fendas, comprou um aquecedor em segunda mão, dormiu com o casaco vestido. Mas o frio não cedia. Até que, numa manhã de fevereiro, uma equipa da Just a Change bateu-lhe à porta. Eram jovens arquitetos, técnicos e voluntários com o propósito claro de devolver o calor à casa de António e dar-lhe uma nova vida.
Reconstruíram o telhado, colocaram isolamento térmico, trocaram portas e janelas, pintaram as paredes e, pela primeira vez, António teve água quente no chuveiro. No fim, António não teve dúvidas em afirmar que “foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. A casa ficou quente. Eu também”.
O que aconteceu a António não é exceção. É um retrato silencioso de milhares. Em 2024, 15,7% dos portugueses afirmaram não conseguir aquecer adequadamente a sua casa. Entre 1,8 e 3 milhões vivem em situação de pobreza energética, sobretudo em áreas rurais ou bairros antigos, onde os edifícios envelhecidos, sem intervenção, perdem valor patrimonial ao mesmo ritmo que o conforto térmico.
A pobreza energética é o lado invisível da crise habitacional. Infiltra-se pelas paredes e escapa às estatísticas, roubando o conforto térmico e a dignidade. É um problema social, económico e de saúde pública, com impacto na produtividade, na saúde mental e na coesão das comunidades.
É neste contexto que nasce o Prémio LIGAR – Energia para Todos, promovido pelo Observatório Nacional da Pobreza Energética (ONPE-PT) e financiado pelo Fundo Ambiental. Com uma dotação de 20 mil euros para o projeto vencedor, o prémio, cujas candidaturas estão abertas até 28 de novembro de 2025, reconhece iniciativas que aliem inovação social e tecnológica no combate à pobreza energética.
Exemplos como o da Just a Change, que devolveu a António um lar digno e eficiente, mostram como a técnica, quando aplicada com propósito, pode transformar vidas. Mais do que um prémio monetário, o LIGAR é um apelo à cooperação destinado a entidades sem fins lucrativos e instituições de ensino ou investigação com atuação social. O objetivo é apoiar soluções replicáveis que aliem técnica, organização e financiamento inteligente para transformar vidas e valorizar o parque habitacional.
O setor imobiliário tem um papel decisivo na resposta à pobreza energética. A nova Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) exige reabilitação em larga escala, mas a verdadeira mudança acontece quando as paredes frias se tornam casas vivas e quando a técnica se cruza com o humano e o conforto deixa de ser privilégio para se tornar direito.
A Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética (ELPPE) aponta para a erradicação do problema até 2050. É uma meta ambiciosa, mas possível. Valorizar o património habitacional é também uma oportunidade para o setor imobiliário mostrar que o futuro da habitação é feito de eficiência, inclusão e inovação.
O Prémio LIGAR é o símbolo desta ponte entre energia e cidadania. Entre inovação e justiça social.
Porque ligar energia é, antes de tudo, ligar dignidade, conforto e futuro.



