À primeira vista, a iniciativa poderia parecer uma resposta positiva a um problema real. Contudo, uma análise mais atenta revela que o E-Lar está longe de ser a solução estrutural de que o país necessita.
Portugal continua a ser um dos países europeus mais afetados pela pobreza energética. Estamos, de forma recorrente, no penúltimo lugar dos rankings da União Europeia, apenas à frente da Bulgária. Esta realidade traduz-se no quotidiano das famílias portuguesas: casas frias no inverno, quentes no verão, dificuldade em manter temperaturas de conforto e vulnerabilidade na saúde, acrescida em períodos de ondas de frio ou calor extremos. É uma situação que afeta milhões de portugueses e não apenas as famílias denominadas como “vulneráveis”.
O problema central reside na fraca qualidade de construção dos edifícios portugueses. A esmagadora maioria destes têm isolamento térmico insuficiente e janelas velhas com vidro simples, que deixam escapar o calor no inverno e deixam entrar o calor no verão. Ao mesmo tempo, os rendimentos baixos da maioria dos portugueses, tornam incomportável a utilização de aquecedores e/o ar condicionado para compensar as permanentes perdas de energia pelas frinchas das janelas.
Perante este cenário, o E-Lar aposta quase exclusivamente na distribuição de equipamentos elétricos – na sua generalidade importados e vendidos em grandes superfícies – que, além de não resolverem o problema estrutural da pobreza energética, acrescentam custos à fatura elétrica dos portugueses. Com mais importações, não criam valor para a produção nacional e acabam por funcionar apenas como um remendo temporário.
Combater a pobreza energética exige visão estratégica e políticas com programas e medidas públicas consistentes. O que Portugal precisa são programas ambiciosos, robustos, prolongados no tempo e capazes de suprir as necessidades da maioria das famílias portuguesas, nomeadamente as famílias da classe média cada vez mais depauperadas. São necessários programas e medidas que permitam intervenções de
fundo no parque habitacional. Obras de isolamento de paredes, coberturas e, naturalmente, da substituição de janelas velhas por janelas eficientes. Só assim será possível garantir conforto térmico, reduzir consumos energéticos e contribuir, de forma sustentável, para os objetivos da neutralidade carbónica a que o país e a União Europeia se têm vindo a comprometer.
Neste momento, existe uma oportunidade única para fazer diferente e com mais ambição. O Fundo Social para o Clima, criado pela União Europeia, prevê para Portugal uma dotação de cerca de 1,6 mil milhões de euros. Cabe ao Governo saber utilizar estes recursos de forma estratégica e transformadora, direcionando-os para programas que melhorem efetivamente as condições das habitações e que beneficiem o conforto, o bem-estar e a saúde da maioria das famílias portuguesas.
O desafio está lançado: avançar para soluções que tratem a raiz do problema e não apenas os seus sintomas. Desta vez, estamos certos de que o Governo não vai falhar. Todos nós, portugueses, estamos vulneráveis quando o assunto se chama pobreza energética. Todos nós sabemos o que é viver e trabalhar em edifícios sem conforto térmico. A diferença estará em escolher medidas estruturais que conduzam a casas mais eficientes, confortáveis e sustentáveis.