É um setor que movimenta patrimónios avultados, representa uma fatia significativa do PIB nacional e exige níveis crescentes de conhecimento técnico, jurídico e ético. E, no entanto, continua a existir uma enorme lacuna: não há qualquer exigência formal para o exercício da atividade por parte dos agentes imobiliários, que são muitas vezes recrutados de forma massiva, sem preparação, e que no próprio dia em que entram no setor já se apresentam como consultores imobiliários.
Esta realidade tem consequências sérias.
Esses agentes atuam sob a licença AMI de uma empresa de mediação, mas não estão individualmente sujeitos a qualquer verificação de idoneidade, nem a critérios mínimos de formação ou deontologia.
Há empresas que operam com centenas de agentes associados ao mesmo número de licença, sem que exista um mecanismo de controlo que assegure a qualidade, a responsabilidade ou o cumprimento das obrigações legais de cada um.
Na prática, o sistema responsabiliza a empresa – mas deixa completamente à margem a figura do agente, que é quem contacta o cliente, recolhe informação sensível, aconselha decisões e intermedeia transações.
O quadro legal em vigor – o Decreto-Lei n.º 15/2013 – foi pensado num tempo em que o modelo de mediação era radicalmente diferente: escritórios pequenos, equipas reduzidas e práticas essencialmente presenciais.
Hoje, o setor é outro: há redes de dimensão nacional, plataformas digitais e modelos de colaboração que colocam milhares de pessoas a atuar sob um mesmo número de licença AMI.
É, portanto, urgente atualizar o enquadramento regulamentar para refletir a realidade do mercado e proteger o consumidor.
Não faz qualquer sentido que, sobre os mediadores licenciados, recaiam obrigações rigorosas em matéria de branqueamento de capitais, RGPD e formalização contratual, enquanto qualquer pessoa possa exercer a mesma função sem formação nem credenciação.
A liberdade de acesso à profissão deve manter-se, mas a liberdade não pode significar ausência de exigência.
Entrar no setor deve implicar demonstrar idoneidade comercial, conhecimento técnico e compromisso com boas práticas profissionais.
Regulamentar não é criar barreiras – é garantir transparência, segurança e confiança.
É permitir que o cliente saiba que quem o acompanha domina a lei, conhece o mercado e responde perante uma entidade supervisora.
É proteger quem cumpre e atua de forma profissional, face à concorrência desleal de quem opera à margem.
E é também garantir que o Estado, os consumidores e os próprios operadores distinguem claramente o mercado formal do mercado informal.
A APEMIP tem defendido de forma consistente que o futuro do setor passa pela criação de um estatuto profissional da mediação imobiliária, que responsabilize e qualifique todos os que nele atuam.
Porque um mercado imobiliário moderno não se constrói apenas com tecnologia ou com volume de transações – constrói-se com credibilidade.
E credibilidade só existe quando há regras claras, aplicadas a todos.
Em última análise, regulamentar não é complicar, regulamentar é proteger os clientes, proteger os profissionais e proteger a reputação de um setor que é essencial para a economia e para a confiança das famílias portuguesas.