João Ferreira Gomes
João Ferreira Gomes
Presidente da ANFAJE

Pobreza energética e má qualidade da construção: estamos todos vulneráveis

08/01/2025

Por isso, foi com admiração e estupefação que a ANFAJE recebeu a notícia do seu fim e tomou conhecimento das linhas gerais do programa “E-Lar”: uma iniciativa destinada, supostamente, a combater a pobreza energética das famílias economicamente vulneráveis através da substituição de eletrodomésticos antigos por versões mais eficientes e da aquisição de aparelhos de ar condicionado e outros equipamentos eficientes. Enfim…

À ANFAJE colocam-se logo algumas questões: Portugal não se comprometeu junto da Comissão Europeia em contribuir para a neutralidade carbónica? As diretrizes europeias não são para diminuir o consumo e a dependência energética? A pobreza energética resolve-se com a troca de eletrodomésticos mais eficientes? O problema do excesso de frio e calor dentro das habitações das famílias “mais vulneráveis” resolve-se com a instalação de aparelhos de ar condicionado que, não resolvendo o problema do conforto, ainda sobrecarregam a fatura energética? De facto, o “E-Lar” não vai melhorar as condições de habitabilidade, conforto e eficiência energética das habitações das famílias “vulneráveis”.

O problema da pobreza energética é estrutural e necessita de uma resposta abrangente. Partindo da nossa realidade, só a partir de 1990 é que tivemos legislação e requisitos para o comportamento térmico dos edifícios, e só em 2016 é que os projetos começaram a cumprir valores mínimos obrigatórios de isolamento térmico para as janelas (elemento fundamental para isolar do frio e do calor)! Logo, a maioria dos edifícios portugueses foram construídos sem cumprir quaisquer exigências de isolamento térmico. É fundamental enfrentar as causas estruturais da pobreza energética, começando pela má qualidade construtiva da envolvente passiva dos

edifícios: paredes, coberturas, pavimentos e, claro, as janelas. Não adianta ter um ar condicionado quando o investimento que se está a fazer, para aquecer ou arrefecer a casa, está a ser perdido pelas paredes ou janelas antigas ineficientes.

A pobreza energética é um fenómeno complexo que vai além da questão económica. Estamos a falar de milhões de pessoas que vivem em casas mal isoladas, com infiltrações, humidades ou ventiladas de forma inadequada. Estas condições contribuem para o desconforto térmico, problemas de saúde e um desnecessário consumo de energia. Face a esta realidade, podemos referir que estamos todos vulneráveis em Portugal. Todos temos uma habitação desconfortável, trabalhamos ou frequentamos edifícios onde o conforto térmico fica à porta…

É importante que a definição de "vulnerabilidade", no âmbito da pobreza energética, abranja todos os que habitam em edifícios com péssimas condições de habitabilidade. Podem não estar abaixo do limiar de pobreza económica, mas enfrentam custos energéticos elevados para aquecer ou arrefecer as casas e sofrem impactos negativos na sua qualidade de vida e produtividade.

Continuaremos a apelar ao Governo português que aposte numa abordagem holística, em medidas públicas que incluam a reabilitação do edificado, IVA de 6% para as janelas eficientes e benefícios fiscais em sede de IRS. Portugal necessita de ambição, que permita construir um futuro onde possamos combater eficazmente a pobreza energética.