Já está em consulta pública, até 10 de março, o programa “Mais Habitação”, o pacote de medidas propostas pelo Governo com o objetivo de ter “mais construções, mais casas e mais justiça”, apresentado a 16 de fevereiro. Para a discussão do programa, foi convocado para 3 de março o Conselho Nacional de Habitação, no qual têm assento as várias entidades do setor, que poderão ser ouvidas sobre as novas propostas.
Entre as novidades do “Mais Habitação” estão, por exemplo, o fim do programa de “Vistos Gold”, a proibição de novas licenças de alojamento local, a simplificação dos processos de licenciamento, a limitação à subida das rendas, ou vários alívios fiscais no arrendamento, nomeadamente a isenção em sede de IRS ou IMI no caso das rendas acessíveis.
A maior parte das medidas apresentadas foram recebidas pelo mercado com bastante apreensão. Convicta de que “não resolvem o problema da habitação em Portugal”, a APPII considera que o pacote não incentiva a construção de mais habitação nova, que seria “a forma mais importante, a nosso ver, para responder à crise da habitação”. A associação dos promotores e investidores aponta também a falta de um pacto de regime de longo prazo, de medidas direcionadas aos jovens, ou o fim dos “Vistos Gold” e aquilo que considera um “ataque ao turismo e aos estrangeiros” e um “assalto à propriedade privada”, já que “medidas compulsivas minam a confiança de quem ainda pensava investir em arrendamento no nosso país”.
Para a APEMIP, associação dos mediadores imobiliários, é de salutar o anúncio das medidas que agilizam os processos de licenciamento, nomeadamente a dispensa de licenciamento camarário dos projetos de arquitetura e especialidades, que ficam a depender apenas do termos de responsabilidade assinado pelos projetistas. Mas defende também a uniformização dos processos em todos os concelhos. Vê também “com simpatia” as medidas que procuram apoiar as famílias na interação e renegociação dos seus contratos de crédito com os bancos e a atenuação das consequências dos aumentos das taxas de juro e da sua taxa de esforço. E concorda com a possibilidade de imóveis de comércio e serviços poderem ser usados para habitação de forma simplificada, apesar das dúvidas suscitadas.
Por outro lado, opõe-se “totalmente” ao anúncio do arrendamento coercivo de imóveis devolutos, sugerindo, em alternativa, “um inquérito célere e eficaz” para perceber junto dos proprietários a razão pela qual os fogos estão vazios. É também contra as restrições ao alojamento local o fim dos “Vistos Gold”, que considera “um disparate”, pois “não têm absolutamente nada a ver com as necessidades habitacionais dos portugueses”. A associação mostra-se disponível para dar o seu contributo para melhorar as propostas anunciadas”.
Também a Ordem dos Arquitetos se pronunciou, e vê “com bons olhos” algumas das medidas anunciadas, mas “aguarda que as mesmas sejam conhecidas com maior detalhe. Naturalmente que aumentar o número de casas disponíveis no mercado de arrendamento é positivo, mas importa perceber de que habitações se tratam e onde se localizam”, pedindo a convocação do Conselho Nacional de Habitação, entretanto já marcado.
Arrendamento coercivo entre as medidas mais polémicas
Talvez a medida mais polémica apresentada no âmbito deste pacote seja o arrendamento coercivo de imóveis devolutos por parte do Estado, visto pelo setor como uma intervenção excessiva na propriedade privada, e mais uma medida que vai criar insegurança no investimento.
Para a APPII, esta medida é “um ataque à propriedade privada”, e vai contribuir “ainda mais para retirar a confiança dos investidores”. A APEMIP também “rejeita totalmente a forma como o Governo pretende intervir na resolução dos devolutos”, pois “medidas coercivas e de posse administrativa nada resolvem e provocam o caos e a instabilidade no mercado, retirando confiança aos proprietários e pondo em risco a valorização dos seus ativos”.
Para o advogado e presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, Luís Menezes Leitão, o novo programa tem propostas “desastrosas”, e esta medida em particular é “claramente inconstitucional”, e espera que assim seja declarada pelo Tribunal Constitucional. “Não deixaremos de fazer tudo para que isso aconteça, junto do Presidente da República, da Provedora da Justiça, e apoiando os nossos associados se aparecer alguma tentativa de arrendamento compulsivo”, afirmou à CNN, convicto de que pode estar em causa “o colapso total do arrendamento”.
No entanto, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, ressalva que haverá “todo um processo de contacto com o proprietário do imóvel”, que poderá “simplesmente explicar que não está a ser usado porque está à espera de licença de utilização”, exemplificou, em entrevista à RTP3. “O instrumento de que aqui falamos é um instrumento para um momento em que alguém não quer arrendar o seu imóvel quando há um dever de utilização do património”, esclarece. A ministra está convicta de que a medida é constitucional, e que foi desenvolvida tendo isso em conta.
Governo “quer acabar com o Alojamento Local em 2030”
As limitações propostas para o alojamento local também estão a causar muita polémica no setor. Em causa está um forte incentivo à passagem dos imóveis para o mercado da habitação, com a isenção de IRS até 2030 dos proprietários que o façam. Os que se mantenham no AL pagarão uma taxa adicional, e as novas licenças serão proibidas à exceção dos territórios do interior e rurais. As atuais licenças terão de ser renovadas de 5 em 5 anos a partir de 2030.
A ALEP fala em “perseguição” ao AL, e manifestou-se contra estas medidas, nomeadamente a proibição de novos registos, acreditando que o Governo quer “acabar com o AL” até 2030. Estas medidas vão criar “uma enorme incerteza” no investimento privado, e torná-lo “inviável”. E assume-se surpreendida “com todas estas medidas gravíssimas sem nunca termos sido ouvidos sobre as mesmas por nenhum representante do Governo”.
A falta de segurança e a instabilidade no investimento é também apontada pela AHETA, a associação dos empreendimentos turísticos do Algarve, que considera que “em vez de fomentar e fortalecer a atividade económica de forma a angariar receitas e concentrar as mesmas na construção de habitações a custos controlados e arrendamento a valores suportáveis pelos mais desfavorecidos, preferiu o governo destruir uma atividade”. Está convencida de que “milhares de casas” vão agora entrar no mercado paralelo.
Também para a APEMIP, esta medida é “muito pouco refletida”, recordando que este setor “teve uma importância primordial na reabilitação dos centros históricos das nossas cidades e constitui hoje uma fonte de rendimento de muitas famílias”.