As novas formas de estar no imobiliário

10/04/2021
As novas formas de estar no imobiliário

O último ano colocou à prova o setor imobiliário. No entanto, este mercado manteve-se como um investimento alternativo de aplicação de poupanças, quer como reserva de valor quer como geração de rendimentos com alguma estabilidade.

António Nunes, administrador da Remax Siimgroup, diz mesmo que este papel foi reforçado, o que ajudaria a explicar a manutenção dos preços sem as quebras de outros setores.

“A política monetária dos bancos centrais vai ajudar e as temidas subidas nas taxas de juro foram atiradas para um horizonte mais longínquo”, explicou o executivo à revista Público Imobiliário.

A ajudar a este panorama, temos o facto de Portugal continuar no radar dos investidores estrangeiros, motivados pelo clima, pela situação geográfica junto à costa e a fruição de espaços exteriores e mesmo a paz social do País, quando comparada com outras geografias onde as reações ao confinamento assumiram por vezes aspetos violentos.

No entanto, e apesar da influência positiva dos não residentes, António Nunes destaca o desafio de os clientes residentes terem representado de longe os maiores compradores – 80% em Portugal, mas só 50% na ARU de Lisboa. “Para estes, a maior ameaça está relacionada com a situação de fragilidade macroeconómica do País e o seu sobre endividamento.

Um cenário de aumento do desemprego e downsizing ou fecho de empresas será o maior perigo já que isso também motivaria o fecho da torneira de crédito, atualmente bem aberta.

Uma boa gestão da transição do período final das moratórias será essencial”. Assim, defende que o regresso em força dos não residentes dependerá essencialmente do sucesso na vacinação e na liberdade de circulação geográfica.

Para o administrador da Remax Siimgroup, o mercado teve necessidade de se reinventar face ao último ano. “O ciclo de produção de um ativo imobiliário é muito longo, desde a pesquisa de terreno, consulta às câmaras – eventualmente outras entidades da área do património, ambiente, etc. – elaboração, discussão, alteração e aprovação do projeto, concurso para as diversas fases da obra e finalmente a execução. No final, há ainda a aprovação das entidades competentes e finalmente a entrega do ativo final ao cliente. Considerando que os ciclos económicos tendem a ocorrer em períodos de 7 a 10 anos, facilmente se percebe que em inúmeros casos entre o início e o fim, o ambiente socioeconómico poderá ter sofrido alterações relevantes”.

Assim, uma atividade que vive não do imóvel enquanto produto físico mas antes da empatia, da confiança que o contacto pessoal aporta, teve necessidade de adotar novas formas de comunicação com o cliente e desenvolver ferramentas para transmitir a informação visual que não comporte obrigatoriamente a presença física no local.

“É o caso das conferências com os clientes por vídeo, a apresentação de vídeos (e não só fotografias) sobre o imóvel em si e a envolvente do mesmo, a utilização massificada das visitas virtuais e drones para demonstrar as vistas dos apartamentos existentes ou, melhor ainda, dos que estão ainda em planta”.

A adoção de novas metodologias

O setor da mediação imobiliária já dispunha de muitos meios tecnológicos, a grande mudança foi que o mercado passou a estar muito mais disponível para a utilização dessa tecnologia, diz Patrícia Santos, CEO da Zome. A verdade é que já existiam visitas virtuais, com a procura a já ser feita a partir dos portais imobiliários. “A grande inovação introduzida no setor foi a plataforma que a Zome lançou, a Zome Now”, que passou a permitir a compra efetiva do imóvel, ou seja, a reserva do ativo e a assinatura do contrato promessa por via totalmente digital. “Relativamente a todo o restante processo, as metodologias já existiam, mas não estavam a ser recebidas pelo mercado da forma como gostaríamos. No último ano, houve uma aceleração da aceitação dessa metodologia de trabalho no setor da mediação imobiliária”.

Patrícia Santos admite que na Zome houve necessidade de reinventar toda a metodologia de ensino à distância que, mais uma vez, já existia, mas não era comum no imobiliário.

“O que fizemos foi instantaneamente trazer essa metodologia de ensino para a mediação, uma vez que temos vivido momentos de restrições de movimentos e obviamente a nossa formação não pode parar porque é um dos nossos pilares de crescimento”.

A forma como vê o mercado nos próximos anos contempla muitas variáveis. Olhando para o imobiliário como um todo, Patrícia Santos acredita que a promoção e a construção terão de fazer uma adaptação a uma nova realidade. “Isto porque, se até agora as pessoas privilegiavam viver junto ao local de trabalho para poupar horas no trânsito, com a adoção do teletrabalho que, em alguns casos passará a ser um modelo em definitivo, irá aumentar a procura de imóveis na periferia.

Se a casa já era um bem essencial, toda esta situação veio demonstrar ainda mais a sua importância. Neste momento, passamos a maior parte do nosso tempo dentro de casa”. Ou seja, a casa transformou-se não só no local onde dormimos, mas também no local onde vivemos uma grande parte do dia, onde trabalhamos e onde os nossos filhos também têm aulas. “Já há e continuará a haver uma necessidade diferente na procura de imóveis.

As pessoas procuram agora imóveis mais espaçosos, com mais divisões, nomeadamente divisões onde possam trabalhar e os espaços exteriores também continuarão a ser altamente privilegiados”.

Nesse sentido, a executiva perspetiva que, no futuro próximo, o conceito que temos hoje de grandes prédios só de habitação e de grandes prédios só de escritórios, poderá vir a ser uma realidade alterada. “Com cada vez mais pessoas a trabalharem a partir de casa, na construção terá de haver uma adaptação a essas necessidades. E, por outro lado, algumas empresas poderão vir a reduzir a quantidade de espaço de que necessitam, pelo que, no futuro, poderemos ter mais prédios mistos, onde se conjuga habitação e escritórios”.

Os desafios da regulamentação

Quanto a desafios, nomeadamente na mediação, a CEO destaca a necessidade de união e de regulamentação do setor. “Nos próximos anos, e com o avanço tecnológico a que assistimos e a quantidade de proptechs que se estão a desenvolver, acreditamos que será uma questão de tempo até acontecer aquilo que aconteceu na área dos transportes, com a entrada das novas plataformas eletrónicas que demonstraram que não havia regulamentação nessa área”.

A responsável garante que ao setor da mediação imobiliária são feitas várias exigências, “mas não é dado nenhum tipo de proteção em troca relativamente ao negócio em si, à concorrência desleal e até aquilo que podemos chamar alguns efeitos de dumping”. Isto porque, explica Patrícia Santos, existem imobiliárias que na realidade não prestam serviço absolutamente nenhum e que cobram margens de 1%, ao mesmo tempo que existem empresas que, de facto, fazem grandes investimentos na formação, na profissionalização dos colaboradores, numa correta promoção dos imóveis e, obviamente, isso não é compatível com margens de 1%.

A CEO defende a criação de uma ordem dos consultores imobiliários, tal como existem para outras profissões, para que exista um código deontológico e um código que seja de cumprimento obrigatório. “Defendemos a existência de vários requisitos para o acesso à profissão, que vão além da licença AMI, neste sector que é tão exigente, que é tão transversal e que obriga a ter tanto conhecimento. Apesar disso, não existe a obrigação de formação por parte das mediadoras, de formações de reciclagem, porque mesmo quem é consultor há dez anos pode não estar atualizado quanto a todos os requisitos legais e a todos os cuidados que deve ter para proteger os interesses dos clientes”.

O digital para sobreviver

Tal como na maior parte dos setores, a mediação imobiliária viu-se obrigada a aderir ao digital para conseguir sobreviver, garante Guilherme Grossman, managing Broker eXp Portugal.

O executivo concorda que o digital não é, nem era, uma ferramenta nova para o setor, apenas não era a preferencial para a realização dos contactos ou dos negócios. “Por isso, a adaptação fez-se de forma rápida e eficaz”. Mas isto não significa que os consultores e os profissionais não sintam falta do contacto presencial, explica Guilherme Grossman, garantindo que houve necessidade de serem mais criativos para desempenhar as nossas funções e levar os clientes a tomar estas decisões tão importantes na sua vida.

“Prova que o digital é eficaz e que é uma ferramenta para o futuro, é a eXp. A eXp nasceu digital há 12 anos nos Estados Unidos e, num ano marcado pela pandemia, registou os níveis de crescimento mais elevados da sua história e aventurou-se no processo de internacionalização, com a chegada a diferentes geografias em todos os continentes, incluindo

Portugal, onde está presente desde dezembro de 2020”. Mesmo em plena pandemia, o executivo garante que 2020 foi um bom ano para o setor em Portugal. “Verificaram-se quebras, mas não tão acentuadas quanto se previa. Isto significa que o setor se mantém forte, apesar da instabilidade que o rodeia. Esta situação só foi possível devido ao digital, que permitiu que tudo continuasse a fluir de forma o mais natural possível. Inclusivamente, em termos mundiais, 2020 foi o melhor ano de sempre para a eXp, uma empresa 100% digital. Por isso, acredito que o digital veio para ficar e que grande parte do processo de compra e venda de uma casa vai passar a ser feito desta forma. Incluindo a assinatura do contrato que, por exemplo, na eXp em Portugal também já pode ser feito desta forma”.

Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer por parte do setor que tinha o modelo tradicional muito enraizado na sua forma de trabalhar. “Acredito que o facto de já existirem no mercado nacional empresas com um modelo de negócio 100% digital, como a eXp, que conseguem ser muito competitivos nas condições financeiras que oferecem aos seus consultores, exatamente por não terem estruturas físicas, que o mercado vai ser obrigado a caminhar no mesmo sentido, para conseguir ser mais competitivo.”

Mesmo sendo Portugal um país pequeno e onde o setor da mediação imobiliária tem uma concorrência feroz, Guilherme Grossman admite um enorme potencial e elevada procura, pelo que os negócios vão continuar a acontecer.

“A diferença está na forma como acontecem. À medida que as empresas como a eXp (digitais) continuarem a conquistar quota de mercado, os restantes players com estruturas físicas muito grandes e muito pesadas, financeiramente falando, vão ter que ajustar o seu modelo.

E este vai ser um grande desafio porque os portugueses gostam de ter o seu espaço, de ter a porta aberta ao público. Outro desafio passa pela criação das relações de confiança, que antes eram facilmente conseguidas porque o contacto presencial fomenta isso mesmo, mas que agora têm que ser conquistadas de outra forma. Os consultores têm que ser mais criativos na abordagem e mais convincentes nos argumentos para conseguirem o mesmo que antes”.