Luís Filipe Santiago Salema e Micaela Giestas Salvador
Luís Filipe Santiago Salema e Micaela Giestas Salvador
PLMJ: Associado coordenador na área de Imobiliário e Turismo | Associada coordenadora na área de Público.

15 minutos de Micrologística

05/03/2025

À medida que as cidades buscam soluções mais sustentáveis e eficientes é crucial repensar a logística urbana. A micrologística surge como uma ferramenta-chave para a transformação, descentralizando a distribuição de bens e criando pequenos centros de distribuição no coração das cidades. Para que essa ferramenta seja verdadeiramente útil para o desenvolvimento e sustentabilidade ambiental das cidades, deve focar-se no aproveitamento, reabilitação e utilização do edificado existente.

O conceito de Cidade dos 15 Minutos, bandeira eleitoral em Paris, em 2020, é hoje um modelo ponderado, estudado e aplicado um pouco por todo o mundo, com um objetivo claro: a sustentabilidade das cidades. Nesta perspetiva, é apresentado um plano de ação eminentemente prático, segundo o qual todas as necessidades diárias dos cidadãos (habitação, trabalho, saúde, educação, comércio e cultura), devem estar a uma distância de 15 minutos, a pé ou de bicicleta, entre si. Para implementar a reorganização da malha urbana necessária, propõe-se que os projetos se estruturem de acordo com parâmetros de densidade, proximidade, diversidade e digitalização.

A dimensão da satisfação das necessidades de comércio merece uma reflexão mais profunda a respeito da essencialidade do comércio imediato do quotidiano e do impacto do mesmo na vida urbana num mundo pós-Covid.

Se é verdade que os números do comércio eletrónico aumentaram sem precedentes, não será menos verdade que os processos de seleção, distribuição e entrega foram otimizados para acompanhar esse crescimento, ao ponto de ser difícil aguardar mais do que um dia para receber uma encomenda. Por outro lado, o comércio tradicional, ou de proximidade, não desapareceu, tendo antes evoluído para se focar nas necessidades diárias mais imediatas, ou nas que ocorrem com menos frequência, mas para as quais o consumidor não prescinde do elemento de proximidade (como é o exemplo dos produtos de luxo).

Em todo o caso, o comércio passou a exigir uma rede de distribuição de bens mais eficiente, bem como uma rede de logística dentro da malha urbana que permita aos operadores, por um lado, satisfazerem vários pedidos de pequenos volumes em prazos curtos e, por outro, manter as economias de escala essenciais para a sustentabilidade dos seus negócios.

Uma das ferramentas que tem vindo a ser utilizada para abordar este desafio é a micrologística. Como o próprio nome sugere, trata-se da adaptação da cadeia logística para atender a muitos pedidos, de pequenos volumes de entrega, em locais diversificados e em prazos curtos.

A integração da micrologística na Cidade dos 15 Minutos requer um novo modelo: em vez de concentrar as atividades de logística e distribuição em grandes centros comerciais ou industriais distantes, tipicamente localizados nas áreas periféricas, a logística passa também a ser descentralizada e realizada de forma local. Os centros comerciais e armazéns de grande dimensão não deixam de ter relevância, mas passam a poder otimizar os seus modelos de organização e a sua oferta comercial para as vertentes de maior valor acrescentado.

O puzzle deixa de se compor só por peças de uma única dimensão, para integrar, de forma orgânica, peças com dimensões dispares. Ou seja, a criação de pequenos centros de distribuição, dentro das cidades, garante que a cidade funcione de maneira mais fluida, sustentável e eficiente.

A cidade de Lisboa tem vindo a trabalhar este modelo há já algum tempo, assumindo-se como um caso de estudo interessante para o funcionamento deste modelo. Pois é importante perceber que a solução que oferece mais proximidade de 15 minutos deve ser aferida bairro a bairro, ou freguesia a freguesia, considerando que os métodos ou soluções para abastecimento do comércio de um bairro moderno, construído e urbanizado nos anos 90, poderão não ter qualquer aplicabilidade, num bairro histórico, com arruamentos com largura de escassos metros, que obrigarão à adoção de medidas distintas.

Contudo, ainda há caminho a percorrer. O último relatório do estado do ordenamento do território em Lisboa, no balanço sobre as medidas implementadas no âmbito do eixo estratégico “Articular em rede as centralidades da cidade alargada de Lisboa”, considera como ainda por concretizar a elaboração de um plano de logística urbana.

É essencial que este plano seja desenvolvido e implementado, de forma não só a promover a melhoria da mobilidade urbana, mas também a competitividade da cidade. Dando os primeiros passos neste sentido a estratégia MOVE Lisboa indicava já a necessidade de serem implementados “novos conceitos de terminais logísticos, centros de distribuição urbana e outras formas de consolidação logística e micrologística no centro da cidade”. A medida aponta que Lisboa reúne condições para tomar a liderança na criação destes espaços.

Um plano ambicioso será sempre um plano que promove o investimento na utilização e reabilitação do edificado existente. Basta olhar para a cidade para percebermos que existem diversos ativos imobiliários que estão devolutos ou desaproveitados. Os pequenos centros comerciais dos anos 80 e 90, que atualmente se encontram muitas vezes em estado de abandono, apresentam-se como um candidato ideal. Trata-se de imóveis pensados para o comércio local, próximos dos bairros e dos consumidores finais, e que já são servidos por infraestruturas adequadas para a exploração comercial/logística. Dotar estes ativos de qualidades e características construtivas que permitam servir as necessidades logísticas do comércio da era pós-Covid pode apresentar-se como uma solução relativamente fácil de implementar e positiva para a sustentabilidade.

Paralelamente, para além destas medidas mais próximas de urbanismo tático é importante que no processo de revisão dos PDM e nas estratégias de reabilitação urbana municipais, sejam encontrados mecanismos e instrumentos de planeamento flexíveis capazes de acolher este novo uso nos centros urbanos, bem como acompanhar a sua evolução.