Paulo Caiado
Paulo Caiado
Presidente da Direção Nacional da APEMIP

Um burro não é um cavalo

10/12/2025

Em Portugal, uma renda de 2.300 euros não é moderada. É alta. Não deixará de ser alta pelo facto de lhe chamar moderada. Por muitos contornos técnicos ou narrativas diversas que se procurem construir. Do mesmo modo que, caso lhe acrescentemos o seu nome científico – “Equus asinus” –, o burro permanece burro. Não há cosmética verbal que altere a essência do que está diante de nós.

A tributação das rendas. Foi anunciada uma redução fiscal muito relevante para a generalidade do mercado, uma excelente notícia. Mas a escolha de chamar “moderadas” às rendas até 2.300 euros desviou o foco do essencial. Em vez de discutirmos o impacto positivo da medida, passámos dias a debater se uma renda de 2.300 euros é, ou não, moderada. Resultado? A própria medida, estrutural e amplamente benéfica, passou para segundo plano, engolida por uma batalha semântica que ninguém pediu. Mudar o nome às coisas não muda a sua natureza, mas pode mudar por completo a forma como as percebemos.

Há ainda designações que, mesmo estando tecnicamente corretas, arrastam consigo significados completamente deslocados do tempo em que vivemos. “Despejo” é uma delas. No primeiro quarto do século XXI, insistir em associar a recuperação legítima da posse de um imóvel a uma ideia de expulsão violenta é absurdo. Não há proprietários empenhados em “vazar” famílias para a rua. Há pessoas que precisam de recuperar uma casa que lhes pertence quando o contrato que legitimava a sua utilização deixa de ser cumprido. Não é despejo: é restituição.

E depois temos o eterno “senhorio”. Senhor de quê? De quem? Essa herança feudal que resiste no léxico jurídico como se ainda existissem vassalos, vínculos servis ou privilégios aristocráticos. Hoje, quem detém uma habitação é simplesmente proprietário. Nem mais, nem menos. Mas o nome errado alimenta perceções erradas; e perceções erradas são o combustível perfeito para conflitos desnecessários.

Quando chamamos moderado ao que é alto, injusto ao que é legítimo, opressor ao que é apenas propriedade… estamos a distorcer a discussão pública. Estamos a criar ilusões que se interpõem entre o problema e a solução. E mais importante que debater palavras, será enfrentar a substância.

Se queremos um mercado de arrendamento funcional, justo e estável, precisamos de abandonar eufemismos e anacronismos. Precisamos de rigor. Precisamos de chamar as coisas pelo nome certo.

Porque, no fim, a semântica não salva ninguém.

Já não existem “Senhorios” há muitas décadas. Os donos das casas não querem “despejar” quem não consegue cumprir o contrato. Querem a restituição da casa.

Uma renda de 2.300 euros não é moderada. É alta. 

Um burro não é um cavalo. É um burro.