Num tema tão sensível e delicado como é o da Habitação, onde tão diferentes interesses estão em jogo, é difícil criar consensos e muito menos unanimidade.
Independentemente das medidas avançadas ou sugeridas, a escolha das palavras e do simbolismo a elas associado é muito importante e penso que aí a comunicação governamental falhou.
Quando se invoca “posse administrativa”, medidas “coercivas”, de imediato será relegado para segundo plano medidas que poderiam ter interesse, mas que logo o perdem perante a desconfiança instantânea que estas expressões provocam. Talvez fosse importante que os nossos governantes se concentrassem no facto de que quando se referem a proprietários, estão a dirigir-se a 73% das famílias e aos responsáveis por 98% do parque imobiliário habitacional existente.
Tudo aquilo que concilie o atendimento às necessidades de vastas camadas da população em matéria de habitação com a importância de NÃO DESVALORIZAR os ativos e, consequentemente “empobrecer” as pessoas ou empresas detentoras dessas propriedades serão boas decisões.
É uma conciliação difícil, sobretudo quando se querem encontrar soluções rápidas e eficazes após décadas de ausência do setor público na promoção de habitação.
Medidas que permitam agilizar os licenciamentos para a edificação, que se traduzam em apoios diretos às pessoas que deles necessitam, no arrendamento na concessão e manutenção de créditos hipotecários, serão relevantes e necessárias. Mas algumas, com alguma reserva pelo desconhecimento de eventuais detalhes ainda por descortinar, são especialmente surpreendentes. Para o proprietário que tem a(s) sua(s) casa(s), é o Estado que agora vai dizer qual a renda que ele vai praticar? É igualmente muito surpreendente o item de “combate à especulação” onde se insere a fim dos Vistos Gold.
Poderiam dizer-nos que é injusto atribuir tal benefício a quem tem 500.000€ para comprar uma casa e não o fazer a quem dificilmente paga 200€ por uma cama porque quer trabalhar no nosso país. Talvez o foco devesse estar em melhorar a capacidade em acolher aqueles que cá querem trabalhar e de quem tanto precisamos.
Durante os 10 anos do programa, os Vistos Gold representaram 0,6% do número total de transações realizadas nesse período. Essas casas transacionadas tiveram um valor médio superior a 600.000 euros! Estamos preocupados com a concorrência e a pressão de preços nas casas acima de meio milhão de euros?
Tem havido algumas referências a possíveis fenómenos de contágio. A procura por casas muito caras não contagia o mercado como se de uma doença se tratasse. Acabar com os Porsches, não tornaria os Fiat’s mais caros!
Quando um estrangeiro compra uma casa nova por 600.000€ motivado por um Visto Gold, o vendedor tem então os recursos para poder remunerar a cadeia de produção que tornou possível aquela casa, todos irão receber a sua parte, e pagar os respetivos impostos.
São precisas mais casas para arrendar e para comprar nos segmentos de onde a generalidade dos Portugueses necessitam. São desnecessárias medidas simbólicas que nada resolvem e que neste caso poderão passar a impedir o país de receber mais de 600 milhões de euros por ano de investimento direto acrescido dos impostos associados, dos postos de trabalho diretos e indiretos criados. Tudo para reduzir a especulação imobiliária… entre os ricos.