Paulo Caiado
Paulo Caiado
Presidente da Direção Nacional da APEMIP

Melhor jornalismo na crise da habitação

25/06/2025

Contudo, bastaram poucas horas para surgirem títulos de imprensa que distorciam o conteúdo da recomendação europeia. Vários órgãos de comunicação social em Portugal avançaram com manchetes que insinuavam que “Bruxelas recomenda tetos máximos às rendas”. A Comissão sugeriu, sim, uma regulação que permita proteger os mais vulneráveis, mas não propôs limites fixos e universais ao valor das rendas, como alguns fizeram crer. Este tipo de simplificação, além de errada, tem efeitos reais: gera desinformação, alimenta polémicas artificiais e compromete a qualidade do debate público. 

O mesmo padrão se repetiu com dados sobre investimento estrangeiro. Circularam títulos que diziam que “70% dos investidores no eixo Lisboa-Cascais são estrangeiros”, quando o que os números indicam é que 70% dos estrangeiros que investiram em Portugal em 2025 escolheram precisamente essa zona, uma leitura totalmente diferente e com implicações distintas. 

Vivemos tempos de sobrecarga informativa, mas de défice de clareza. As redes sociais amplificam opiniões, enviesamentos e falsidades com uma velocidade inédita. Neste cenário, o jornalismo profissional deveria ser um bastião de rigor, contexto e responsabilidade. Infelizmente, quando os títulos são feitos para gerar cliques e não para informar com verdade, essa fronteira começa a esbater-se.

Muitos não leem o conteúdo completo de uma notícia. Detém-se no título. Formam opinião a partir de uma linha. E essa linha pode determinar discussões familiares e decisões políticas. Quando a imprensa abdica da sua missão de informar com exatidão e opta por atalhos fáceis, aproxima-se perigosamente do modelo que tantas vezes critica nas redes sociais.

É essencial que os jornalistas - e, sobretudo, os editores - assumam que hoje os títulos têm mais peso do que nunca. E com esse peso vem uma enorme responsabilidade. A responsabilidade de esclarecer e não confundir. De contribuir para o debate público com seriedade e não com ruído. De resistir à tentação do impacto rápido e escolher, sempre que possível, o caminho da substância.

Mas não são casos isolados, temos infelizmente muitos mais exemplos. Os estrangeiros não estão a comprar todas as casas, representam menos de 10% das transações realizada cada ano. Portugal não é o país da Europa onde as casas são mais caras. Portugal é o país da Europa onde os preços subiram mais, porque partiram de bases de preço muito mais baixas. Lisboa e Porto continuam muito mais baratas que muitas capitais europeias.

Os fundos estrangeiros não são os grandes proprietários de habitações nas principais cidades. Portugal não atrai fundos de pensões, seguradoras ou REITs (Real Estate Investment Trusts) focados em arrendamento habitacional de longo prazo. Estão presentes no segmento comercial, mas quase não existe investimento institucional em habitação residencial.

Portugal não é um paraíso para milionários estrangeiros. Os programas como o Visto Gold (menos de 12.000 transações numa década onde de transacionou mais de um milhão e meio de casas) e o regime para residentes não habituais que abrangeu 52.000 contribuintes em 16 anos, nunca representaram um volume significativo no total de casas transacionadas. Porque, tal como a habitação, também a credibilidade do jornalismo se constrói com base sólida. E hoje, essa base está em risco.