Como tem sido frequentemente referido, a perceção pública do risco associado a estes fenómenos da natureza é reduzida, uma vez que têm uma baixa probabilidade de ocorrência apesar de valor muito elevado. No entanto, em termos de agenda mediática, o ano 2023 também ficou marcado pelos sismos que ocorreram em fevereiro na Turquia e na Síria e em setembro em Marrocos.
Por outro lado, e como tive a oportunidade de referir, a Estratégia Nacional para a Proteção Civil Preventiva 2030 tinha estabelecido em 2021, como um dos objetivos estratégicos, a criação de um Sistema de Proteção de Riscos Catastróficos baseado em soluções de seguros para a cobertura destes riscos. Já em junho de 2023, uma Resolução da Assembleia da República, recomendou ao Governo a criação de um Fundo de Garantia para os Riscos Climáticos e Sísmicos, constituindo a cobertura do risco sísmico o primeiro pilar de um sistema que poderá vir a abranger outras catástrofes naturais. Finalmente, em outubro do ano passado, o Despacho 10256/2023 veio solicitar o apoio técnico da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) para a criação de um sistema de cobertura do risco de fenómenos sísmicos.
Se analisarmos o panorama internacional, há já vários anos que os fenómenos da natureza, considerados durante muito tempo como não seguráveis, foram objeto de criação de mecanismos de mutualização para cobrir os danos que podem causar. Em França, por exemplo, foi criada a cobertura "catástrofe natural", financiada por uma taxa especial sobre todos os contratos de seguro de danos que incluem uma cobertura de "incêndio". Tratando-se de um mecanismo de solidariedade nacional que recorre também a fundos públicos. O Estado francês garante a boa utilização desta garantia: valida a existência de um sinistro de "catástrofe natural" através da publicação de um decreto que especifica em que consiste a catástrofe natural, quando ocorreu e onde teve o seu impacto. Para que um sinistro seja coberto por esta garantia, é necessário que se enquadre no decreto publicado.
Regressando a maio de 2024, a ASF publicou no seu último Relatório de Estabilidade Financeira uma análise temática com a caracterização da cobertura seguradora nacional face ao risco de fenómenos sísmicos. A estimativa apresentada para o parque habitacional nacional é de que 55% das habitações estejam cobertas por alguma forma de seguro de incêndio ou de multirriscos. No entanto, a cobertura de fenómenos sísmicos apenas cobre 19% das habitações. Nos pressupostos utilizados, o gap de proteção foi estimado num mínimo de 45% para a cobertura de incêndio e multirriscos e de 79% para os fenómenos sísmicos.
Num momento em que as políticas de habitação merecem a atenção dos vários decisores, está também na altura de, após várias tentativas de soluções para redução deste gap que têm sido levadas a cabo pela ASF e pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS) ao longo dos últimos anos, estabelecer os princípios de um sistema que garanta a proteção de um ativo, que representa mais de 51% do património dos particulares, face aos riscos dos fenómenos da natureza. Termino da mesma forma que fechei o artigo de janeiro de 2023: “Não deveria ser necessário continuar a ouvir, a cada mudança, o aviso: Mind the gap!”, once again.