Se dúvidas houvessem de que estamos perante um problema estrutural com difícil solução em qualquer país do nosso entorno, basta perceber a declaração de intenções da ministra das finanças trabalhista britânica Rachel Reeves, em relação à crise de habitação no Reino Unido.
No seu primeiro discurso após a nomeação, a nova chancellor prometeu a construção de 1,5 milhões de fogos em cinco anos o que, desde logo, fazia parte do programa político do seu partido, no processo eleitoral que acabou com quatorze anos de domínio conservador, mas que significaria atingir um nível de atividade da indústria C&I que não se vê nas ilhas britânicas desde os anos 1950. As dificuldades com as quais deverá enfrentar-se o seu novo governo (do lado da oferta) e que nos são familiares em Portugal: inadequado planeamento urbanístico ao nível camarário, escassez de mão de obra, inflação dos preços de matérias-primas… e, claro, menos casas e mais caras. Situação positiva desde o ponto de vista do investidor (pois a procura continua em máximos históricos) e negativa para o comprador-utilizador (pois, mesmo que existam casas para vender, não é evidente que disponha dos recursos para as comprar ou alugar). Os mesmos observadores terão visto, igualmente, a declaração de intenções do governo de Espanha – angustiado com os mesmos desafios de insuficiência de oferta útil para as famílias que desejam comprar ou alugar habitação – através da mobilização de seis mil milhões de euros públicos destinados à promoção público-privada, no âmbito do lançamento dum plano para a construção de 43.000 fogos reservados ao segmento de renda acessível, durante cinquenta anos. Inserida na “legislatura da habitação” essa nova iniciativa do executivo espanhol – cujo prometido propósito (em tempo eleitoral) é de 180.000 unidades de habitação acessível – terá de contar com a aquiescência das comunidades autónomas e as câmaras municipais, pois são elas as donas das competências em matéria de habitação.
Finalmente, e porque não há duas sem três, muitos terão compreendido as intenções por trás da iniciativa anunciada pela recentemente reeleita Presidente da Comissão europeia, Ursula Von der Leyen: colocar a habitação no centro das políticas da UE, com a nomeação dum comissário específico e o lançamento dum plano comum de habitação acessível, alicerçado em estratégias para o investimento e a construção. Feito inédito, a proposta passa por reconhecer os desafios transversais dos sócios UE e integrá-los num campo de ação que, até agora, estava fora do radar de competências de Bruxelas, criando momento para duplicar o investimento público e privado na construção de habitação acessível nova e tentando arrefecer o mercado imobiliário europeu de habitação, cujos preços continuam a aumentar, independentemente de se transacionarem menos unidades.
Voltando ao início, a questão que me parece levantar-se, no imediato, é se as medidas anunciadas pelas diferentes representações governamentais poderão ter, de facto, efeito prático na resolução da falta de habitação que os políticos pretendem: destinada a jovens, nómadas digitais e famílias com menores recursos, dentro das grandes urbes, energeticamente eficiente e ambientalmente responsável, digna, disponibilizada com celeridade, e que alavanque (via o aumento da oferta) o arrefecimento dos restantes segmentos do mercado de habitação.
Eu diria que é possível começar a tratar do assunto da habitação acessível se existir uma forte vontade de diálogo fértil entre os intervenientes públicos e privados, uma flexibilização da burocracia à volta do planeamento e o licenciamento, uma disponibilização maciça de financiamento, uma política fiscal benéfica de longo prazo e uma alteração cultural.
Uma quimera missionária? Talvez, mas para evitar um diálogo com o Gato Cheshire…