João Cleto
João Cleto
Gestor de Projetos na Direção de Estratégia, Políticas e Projetos da ADENE

Passaportes de renovação dos edifícios como ferramenta para a descarbonização

17/07/2024

A renovação adequada dos edifícios onde vivemos e trabalhamos tem impactos positivos na redução das emissões de gases com efeito de estufa (tanto as emissões diretas e indiretas na fase de operação como aquelas associadas ao ciclo de vida dos produtos incorporados nos edifícios), na saúde dos ocupantes, na resiliência às alterações climáticas, no combate à pobreza energética e na transição para uma economia mais sustentável alicerçada em novas competências e “empregos verdes”, garantindo ao mesmo tempo condições de trabalho justas e dignas.

Se estes objetivos de longo prazo parecem uma inevitabilidade, a realidade é hoje bem mais complexa. O quinto relatório de monitorização da Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, na qual a ADENE – Agência para a Energia tem um papel fundamental como membro do Grupo de Coordenação, revela que, apesar da trajetória de redução de emissões e de consumo de energia primária, a taxa de renovação dos edifícios fica aquém da meta definida: um valor acumulado de 6,2% de edifícios renovados entre 2018 e 2020 face aos 69% definidos para 2030. Adicionalmente, o processo de renovação de um edifício ou fração pode ser complexo, dispendioso, difícil de organizar e demorado, envolvendo diversos profissionais e entidades. Muitas vezes, a única forma de fazer esta renovação é estendendo-a ao longo de vários anos e etapas.

É neste contexto que surge o passaporte de renovação dos edifícios como ferramenta de apoio à reabilitação, sendo uma das muitas disposições incluídas na reformulação da diretiva europeia relativa ao desempenho energético dos edifícios (publicada no Jornal Oficial da União Europeia a 8 de maio de 2024). Para além dos passaportes, constam também da diretiva objetivos ambiciosos como padrões mínimos de desempenho energético e trajetórias para uma renovação progressiva do parque edificado, eliminação progressiva de sistemas com recurso a combustíveis fósseis e a ligação a infraestruturas para a mobilidade sustentável, entre muitos outros. O passaporte de renovação, cujo conceito havia já sido introduzido na anterior versão desta diretiva, sai agora reforçado sendo definido como um “roteiro adaptado para a renovação profunda de um determinado edifício num número máximo de etapas que melhorarão significativamente o desempenho energético deste”.

Foi com o objetivo de estudar possíveis modelos de passaporte e formas de operacionalização que foi desenvolvido o projeto iBRoad2EPC - Desenvolvimento e Integração de Passaportes de Renovação dos Edifícios no Sistema de Certificação Energética dos Edifícios, cofinanciado pelo programa Horizonte 2020 da União Europeia. O iBRoad2EPC contou com 11 parceiros e as ferramentas desenvolvidas foram testadas em seis países: Bulgária, Espanha, Grécia, Polónia, Portugal e Roménia. A ADENE, como parceira deste projeto, teve como responsabilidade acompanhar o desenvolvimento da plataforma e ferramenta de emissão de passaportes de renovação, a ligação ao Sistema de Certificação Energética dos Edifícios, a formação de Peritos Qualificados na metodologia e a coordenação da fase de testes em Portugal. Foram avaliados 10 edifícios de diferentes tipologias (escritórios, escolas, edifícios multi e unifamiliares), fruto da colaboração e apoio da Santa Casa Misericórdia de Lisboa, da empresa Construção Pública E.P.E. e da GEBALIS - Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, E.M., S.A..

Como exemplo, num dos edifícios multifamiliares estudados, foi possível estabelecer um plano que permite evoluir da classe energética F para a A+ em quatro etapas. Atualmente é um edifício em mau estado de conservação, com patologias que afetam a qualidade do ambiente interior e uma situação muito provável de pobreza energética dos residentes. A renovação proposta passa pela remodelação da envolvente, a instalação de solar térmico para a preparação de água quente sanitária, com apoio de uma bomba de calor, janelas eficientes (classe A+ pelo sistema de classificação CLASSE+ da ADENE) e sistema a biomassa para aquecimento ambiente. Estima-se assim atingir uma redução na emissão de gases com efeito de estufa da ordem dos 98%, de 58% no consumo de energia final e de 95% da fatura energética, melhorando significativamente a qualidade do ambiente interior e dotando o edifício de inteligência. Tudo isto se traduz numa oportunidade de planear e realizar investimentos coerentes e realistas que garantem um edifício preparado para o futuro, valorizam o ativo imobiliário detido e aumentam a qualidade de vida dos residentes atuais e futuros, respondendo também a necessidades prementes como as patologias do edifício e prováveis situações de pobreza energética.

Fica assim evidente que, com os devidos incentivos, e a integração dos passaportes em ferramentas como o portal casA+, uma plataforma desenvolvida pela ADENE, que centraliza num só local toda a informação relevante sobre a habitação e permite contactar diretamente com empresas e profissionais com vista à implementação de medidas de melhoria, é possível estabelecer e concretizar um plano coerente e realista para a renovação de cada um dos edifícios contribuindo para a progressiva renovação do parque edificado total.

Este trabalho será essencial para a transposição da diretiva relativa ao desempenho energético dos edifícios, que deverá ser finalizada até 28 de maio de 2026, mas também para o grande desafio de atingirmos um parque edificado descarbonizado até 2050.

 A ADENE estará sempre presente para continuar este trabalho e apoiar a prossecução destes ambiciosos objetivos.