Andreia Candeias Mousinho e Benedita Lacerda
Andreia Candeias Mousinho e Benedita Lacerda
sócia e associada coordenadora da área de Público da PLMJ

O Simplex e a reabilitação

03/11/2023

Não se trata apenas de reabilitar edifícios. É também prosseguir objetivos de requalificação ambiental, cultural, social e económica dos espaços, em prol da melhoria da qualidade de vida das populações e do território.

Está em processo de aprovação o pacote legislativo designado Simplex Urbanístico, o qual, desde o início, fez levantar as vozes do setor, que se insurgem contra algumas medidas propostas, apontando-lhe falta de ponderação, desarticulação com outras normas e até desnecessidade. Não obstante, à margem de críticas (e embora sem conhecer a versão final do pacote), que impactos se esperam na reabilitação?

Destaca-se, desde logo, a isenção de procedimento urbanístico de (i) obras de reconstrução das quais não resulte um aumento da altura da fachada, ainda que impliquem o aumento do número de pisos, (ii) obras de reconstrução em áreas sujeitas a servidões ou restrições de utilidade pública (iii) obras para a substituição de vãos por outros que, conferindo acabamento exterior idêntico ao original, promovam a eficiência energética, (iv) obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações que não afetem a estrutura de estabilidade ou que a mantenham ou reforcem, e (v) operações de reconstrução e ampliação que sejam antecedidas de um pedido de informação prévia favorável.

Ao nível da utilização de edifícios, propõe-se a eliminação da autorização de utilização. Quando haja uma obra sujeita a controlo prévio, o título de utilização é substituído por uma mera comunicação prévia (entrega de documentos); quando exista uma alteração de uso antecedida de obras isentas, o título é substituído por uma comunicação prévia com um prazo de 5 dias para o município responder.

Ademais, quer-se criar uma plataforma eletrónica nacional para tramitação de todos os procedimentos urbanísticos e colocar a “Administração a falar de uma só voz”.

Noutra esfera, antecipam-se tímidas alterações ao RGEU, revogando-se/substituindo-se exigências ultrapassadas (bidés, banheiras e cozinhas). Estabelece-se também que, em imóveis localizados em zonas de proteção de bens imóveis em vias de classificação ou classificados de interesse nacional ou de interesse público, não é necessário parecer da DGPC em obras de alteração no interior, sem impacto arqueológico ou sem impacto sobre elementos arquitetónicos relevantes ou quando estejam em causa obras de conservação no exterior dos bens imóveis, sem alteração sobre elementos arquitetónicos relevantes.

Espremendo a laranja das propostas na perspetiva da reabilitação, não são muitos os copos de sumo.

De facto, se por um lado a maioria das propostas não fez zoom in à realidade da reabilitação, tendo aplicação prática desafiadora, em particular em zonas a reabilitar, por outro, parece não se ter ousado com a eliminação/atualização de áreas e afastamentos mínimos ou com a clarificação de que regenerar é reabilitar.

Não sabemos se o Simplex Urbanístico “reabilitará” a situação urbanística que temos vivido. Certo é que a reabilitação é um mecanismo de gestão de território que, assente na história e nos passados das cidades, é pilar de desenvolvimento futuro, devendo, portanto, ser o pressuposto na resposta às dúvidas e aos desafios de articulação, interpretação e aplicação do novo pacote legislativo a caminho.