No caso do mercado imobiliário, trata-se de negar que, quando um bem é escasso e há vários interessados, o bem acabará por ser transacionado com um valor superior. Isto nada tem a ver com especulação.
Nos últimos 25 anos, durante os quais tenho estado mais próximo da atividade imobiliária, nunca encontrei alguém interessado em vender uma casa, no sítio mais caro de Lisboa ou no mais barato dos subúrbios, que não tivesse por objetivo vender pelo maior valor possível. Nunca encontrei ninguém disponível para associar o valor da sua intenção de venda às suas ideias políticas ou ideológicas. E, portanto, disponível para vender a um valor inferior daquele que o mercado, em determinado momento, estaria disponível para pagar. Todos, sem exceção, procuram obter o melhor valor possível.
A ideia de que a especulação é responsável pela subida dos preços das casas é sistematicamente evocada, mas isso não é mais do que um conceito negacionista da realidade do mercado.
Há especulação quando se tem um bem transacionável e se imagina um valor muito mais elevado e distante daquele que, nesse momento, alguém está disponível para pagar. Quando alguém detém um bem escasso para o qual existem vários interessados, e esse facto gera como consequência uma subida do seu valor, não é especulação, é mercado.
Em Portugal, as casas estão muito caras, mas tal facto não se deve à especulação. Deve-se à escassez de casas. As componentes responsáveis pela constituição do valor de uma casa são conhecidas: um terreno, um projeto, um processo administrativo que analisa determinado projeto, um conjunto de materiais de construção e um conjunto de recursos de mão-de-obra. Quanto mais longo for este processo, mais cara será a casa. Se o terreno for caro, esse valor irá refletir-se no preço da casa. O Estado pode, de facto, intervir para que o preço dos terrenos diminua, disponibilizando mais terrenos onde seja possível edificar.
Os materiais de construção têm uma tendência de aumento de preço ao longo das últimas décadas e previsivelmente assim irá continuar. Quanto aos recursos de mão-de-obra, falamos de trabalhadores que, legitimamente, reivindicam melhores remunerações. Não é expectável que tenhamos casas mais baratas à custa de salários mais baixos para quem as constrói. Finalmente, sobre toda esta estrutura incidem impostos cujo valor e natureza são determinados pelo Estado. É evidente que só será possível termos casas a preços mais acessíveis se o Estado quiser.
As casas estão muito caras porque, na última década, foram edificadas ou reabilitadas em Portugal menos 700.000 casas em comparação com a década anterior. Apesar da diminuição da população portuguesa, o número de pessoas a residir em Portugal nessa mesma última década cresceu com a entrada de mais de 600.000 imigrantes, tão necessários à nossa economia e ao país.
Culpar a especulação é negar a realidade. Quando pensamos em vender a nossa casa, procuramos obter o melhor valor possível. E, quando queremos comprar outra, quem a estiver a vender vai querer exatamente o mesmo. O mercado funciona assim, e é fundamental que reconheçamos esta realidade para podermos identificar soluções efetivas para a crise da habitação em Portugal.