Associações do setor imobiliário reprovam pacote “Mais Habitação”

15/03/2023
Associações do setor imobiliário reprovam pacote “Mais Habitação”
As novas propostas estão a criar uma onda de desconfiança no mercado, que questiona a constitucionalidade e operacionalidade do programa

O setor imobiliário reprova o novo pacote da habitação do Governo. O programa “Mais Habitação” está em consulta pública, com um período prolongado até 24 de março para um conjunto de diplomas, na sequência do pedido da Associação Nacional de Municípios. Os restantes diplomas terminaram consulta a 13 de março.

A APPII, que já tinha manifestado a sua objeção relativamente ao programa, exige “que o problema da Habitação em Portugal seja tratado de forma séria, para que possam surgir medidas concretas, que envolvam todos os interessados na resolução deste grande desígnio nacional”, afirma o presidente Hugo Santos Ferreira, para quem um dos principais problemas é a falta de confiança que se cria entre os investidores.

Muitas das medidas mais polémicas dizem respeito ao mercado de arrendamento. No contributo que submeteu no âmbito da consulta pública, a ALP, em seu nome e da CPP, que preside, consideram o arrendamento coercivo “uma monstruosidade jurídica” na qual o Governo deve recuar, pois “não tem cabimento constitucional ou viabilidade operacional”. E a associação garante que vai aconselhar todos os proprietários a contestar nos tribunais “qualquer tentativa de arrendamento forçado”. Os proprietários consideram também inconstitucional a reversão dos processos de transição das rendas antigas para o NRAU, e são contra a limitação do aumento das rendas, que “vai retirar casas do mercado”. Destacam ainda a “injustiça” no que toca às limitações ao AL, atestando uma “confiança dos proprietários arrasada”.

Paulo Caiado, Presidente da APEMIP, destaca que a maior parte dos senhorios não se poderá “dar ao luxo de se ver privado dos seus rendimentos, portanto os seus imóveis têm de estar arrendados”. Mas, para outros, “as medidas anunciadas apresentam razões acrescidas” para manterem os imóveis fora do mercado. Defende que “estas medidas criam desconfiança em relação ao Estado que traz para cima da mesa o arrendamento coercivo, pelo que não as vemos com bons olhos”. Por outro lado, assume-se “absolutamente contra o travão no aumento das rendas, pois defendemos que o senhorio deve ter liberdade para estabelecer o seu novo contrato com o seu inquilino”, defendendo, sim, a importância do aumento da oferta habitacional.

Para Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitetos, “este pacote é um ponto de partida, não de chegada”, que poderá ser “um roteiro difícil”. “O pacote é muito ambicioso no papel, mas no que respeita ao PRR não oferece instrumentos que sejam verdadeiramente capazes de fazer a diferença que o país precisa (…)”. Por outro lado, “não oferece condições claras para mitigar os custos de construção e oferecer habitações acessíveis. Sem medidas para corrigir essa distorção dificilmente teremos habitação acessível”. Garante que “a Ordem dos Arquitectos cá está para trabalhar com os poderes públicos e os decisores, mas não prescindirá nunca da sua liberdade e autonomia para apontar caminhos e soluções”.

Já Fernando Almeida Santos, Bastonário da Ordem dos Engenheiros, reconhece “o esforço do Governo para tentar agilizar uma necessidade fortíssima do país”, mas “existem falhas neste pacote legislativo. A compulsividade do arrendamento, o Estado a substituir-se a proprietários e prevaricadores não são medidas que cativem quem possa estar disponível para arrendar. A ideologia não pode estar acima das necessidades de desenvolvimento do país”. Não deixa de salientar as “virtudes em algumas medidas, como o licenciamento com base na confiança nos engenheiros para agilizar processos, mas desde que devidamente balizado”.

Autarquias reclamam falta de consulta e duvidam da execução do programa

Para Carlos Moedas, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, as autarquias deveriam ter sido consultadas no âmbito deste programa: “A metodologia de não consultar os autarcas é muito negativa”, disse à Lusa. E também criticou o pouco tempo disponível para a participação de todos os interessados no tema, garantindo que a CML se vai pronunciar num documento que irá tornar público. Mas esclarece: “as medidas são tão invasivas, tão impositivas, que penso que é claro que não estamos de acordo com elas e, portanto, vamos dizer isso no documento”. E a vereadora da Habitação, Filipa Roseta, já veio garantir que uma das medidas mais polémicas do “Mais Habitação”, o arrendamento coercivo de imóveis devolutos, “não vai acontecer” em Lisboa, nomeadamente pela incapacidade de resposta dos serviços dos técnicos da autarquia, disse ao Público.

Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, destaca também que as autarquias não foram previamente auscultadas neste âmbito, e acredita que o “Mais Habitação” deve ser “afinado”, pois “boa parte” do pacote é “irrealizável”, e o programa ficará “muito aquém dos resultados pretendidos”. O município também já apresentou um documento com contributos no âmbito da consulta pública, e no preâmbulo Rui Moreira defende o abandono de “medidas irrealistas ou manifestamente nocivas”.

AL alerta Bruxelas para “desproporcionalidade”

Outras das medidas mais contestadas pelo setor têm a ver com a atividade do alojamento local. Bernardo Trindade, Presidente da AHP, recorda que “enquanto secretário de Estado do Turismo, tive responsabilidade na criação desta figura (AL) aquando da revisão da lei dos empreendimentos turísticos. Na altura, procurando integrar no circuito formal um tipo de alojamento que atuava ilegalmente. Desde a sua criação, permitiu não só aumentar a quantidade de alojamento face ao comportamento da procura por Portugal, como aumentar a diversidade de conceitos de alojamento”. E realça que o AL “contribuiu na requalificação de todo o nosso edificado”. Entre as maiores polémicas estão a proibição de novas licenças de AL. Bernardo Trindade acredita que, no futuro, e como alternativa, alojamentos como hostels ou Guest Houses poderão “migrar para empreendimentos turísticos”.

Outra das novidades previstas e apresentadas é o pagamento de uma taxa para as que continuarem em vigor nas zonas de pressão urbanística. É proposta uma contribuição adicional extraordinária de 35% sobre a receita estimada pelo INE (a nível nacional) por m² de um T1, conforme definido o RGEU, um volume de imposto anual que pode chegar aos 4.544€ num apartamento de 50 m², segundo a análise feita pela revista Vida Imobiliária.

Contra estas propostas, a ALEP já teve reuniões em Bruxelas para alertar para a “desproporcionalidade” das propostas do pacote do Governo para o alojamento local, considerando que chocam com a legislação europeia, nomeadamente o que diz respeito à “diretiva de serviços, que é uma regulamentação comunitária, uma diretiva neste caso, que procura evitar a criação de barreiras ou restrições para a livre criação de empresas e de serviços”. Segundo Eduardo Miranda, presidente da ALEP, em declarações à Lusa, “estamos a impedir a criação de novos registos, de pessoas entrarem numa atividade em todo o país, independente de serem zonas que tenham ou não AL, que tenham ou não maior concentração, de serem zonas onde são segundas habitações, casa de férias. Isto é o que nós chamamos de um tipo de restrição desproporcional”.