Conforto acústico dos edifícios “tem de ser cada vez mais debatido em Portugal”

19/04/2023
Conforto acústico dos edifícios “tem de ser cada vez mais debatido em Portugal”
A ANFAJE quer trazer o tema do conforto acústico para a discussão pública

A eficiência energética dos edifícios e as questões da pobreza energética ganharam uma nova atenção nos últimos anos, mas o conforto acústico tem ficado em segundo plano quando se fala na renovação e no conforto dos edifícios, e da habitação em particular. Algo que a ANFAJE – Associação Nacional dos Fabricantes de Janelas Eficientes quer mudar, até porque o ruído nos custa a todos saúde e dinheiro.

A associação quer trazer o tema para a discussão pública. João Gomes, Presidente da ANFAJE, afirma ao Público Imobiliário que o conforto acústico dos edifícios “tem de ser cada vez mais debatido em Portugal”, porque “a qualidade acústica dos edifícios em Portugal é tão má quanto a qualidade térmica, é isso que está em causa, e temos de abrir este debate. Estamos em 2023, e a nossa exigência de qualidade de vida é superior, e não devemos aceitar tudo como se fosse normal. Não temos de contar aviões ou comboios dentro de nossas casas, por isso precisamos de um esforço nacional para minorar estes efeitos, porque têm impacto na saúde, e isso custa dinheiro a todos nós”.

A legislação já existe. “Neste momento, a lei diz que os edifícios têm de ter um determinado nível de isolamento acústico para cumprir a regulamentação técnica e exigências legais, nomeadamente 33 decibéis de ruído exterior em habitação em zona mista”. É a envolvente passiva do edifício que faz este isolamento do ruído exterior, que não queremos que entre dentro de casa. Um requisito que, segundo João Gomes, “mais de 80% dos edifícios em Portugal não cumpre”, calcula.

João Gomes explica que “o elemento mais débil da envolvente passiva são as janelas, se tiverem mau desempenho, terei muito ruído dentro de casa, sobretudo em zonas que tenham muita poluição sonora”. Devem “isolar ao máximo o ruído de tráfego, que é o mais difícil de fazer, nomeadamente em edifícios junto a autoestradas, caminhos de ferro, em corredores de aeroportos, onde as pessoas contam aviões permanentemente”. Isto porque a poluição sonora e o ruído constante “têm grandes danos na qualidade de vida dos habitantes dos edifícios, mas também para os ocupantes e para a produtividade, se falarmos em edifícios de escritórios, por exemplo”.

“O facto de estarmos permanentemente expostos a ruídos que não controlamos traz graves problemas à nossa saúde, agravando problemas de stress, de sono. E infelizmente muitos dos habitantes em zonas com grande tráfego e corredor de aeroportos já estão habituados a esse ruído indesejável. Mas sabemos que isso influencia o nosso sistema neurológico, e dificilmente assim se desfruta do silêncio a que também se tem direito dentro de casa, temos o direito de escolher quando ter ruído”, diz João Gomes.

E a questão do conforto acústico (ou falta dele) foi muito sentida durante a pandemia, nomeadamente com o aumento do teletrabalho: “as pessoas aperceberam-se que estavam a contar autocarros e aviões, a ouvir tudo e mais alguma coisa, sem conseguir concentrar-se nas suas reuniões”, lembra João Gomes. “Aumentou a perceção dos habitantes dos edifícios, também relativamente ao isolamento térmico”.

Mas a boa notícia é que as janelas são também um dos pontos mais fáceis de intervir para ter uma casa mais confortável. “Existem janelas com desempenhos superiores em termos térmicos e acústicos, com vidros acústicos, boas caixilharias. Trocar para uma janela eficiente pode ser uma boa solução no melhoramento do isolamento acústico, pois intervir na envolvente é muito difícil sem reabilitação integral do edifício, no interior pode-se perder área útil, e obter a concordância ao nível do condomínio é difícil. Claro que quem vive em moradias unifamiliares é mais fácil”, aponta João Gomes.

Vários países “já têm esta preocupação há muitos anos”

São vários os países europeus que “já têm esta preocupação há muitos anos”, segundo o presidente da ANFAJE, como Espanha ou França, onde “as entidades que gerem os aeroportos entraram em programas de apoio locais para minorar o ruído dentro dos edifícios. No aeroporto de Barajas (Madrid) houve grande contestação quando se aumentou o tráfego aéreo, porque as pessoas não conseguiam dormir com os aviões a passar constantemente. Essas entidades foram chamadas a contribuir para a substituição de janelas em todas as zonas de impacto dessas grandes infraestruturas”. Até porque, exemplifica, “não chega só colocar barreiras acústicas nas auto-estradas, têm impacto na paisagem terrível, são feias, e as casas próximas têm na mesma um ruído superior aquele que deveriam ter”.

Grandes eixos viários ou corredores aéreos impactam as cidades como um todo, por isso “devia existir um esforço de conciliação dos apoios do isolamento térmico com o isolamento acústico. As autarquias que tiverem cartas de ruído podem dar contributo grande para minorar esses problemas, que impactam a qualidade de vida das populações. Em conjunto com as várias entidades nacionais, podem estabelecer planos de minimização de ruído nas habitações portuguesas, porque todos temos direito” a viver em habitações sem ruído.

Informação e sensibilização da população são chave para melhorar os edifícios

Segundo João Gomes, falta fiscalização dos edifícios portugueses, de habitação e não só, mas esta é insuficiente, até porque “é difícil fiscalizar a acústica, são necessários ensaios in situ, e as pessoas também não estão sensibilizadas para essa temática”. Mas acredita que a solução passa pela “informação e sensibilização da população, para que quem quer melhorar as suas casas opte por soluções mais eficientes que beneficiem e melhorem a relação custo-benefício do custo que vão fazer na substituição de janelas antigas”.

Considera que “os portugueses têm de ser mais exigentes na compra e aluguer da sua habitação, e as autarquias têm de ajudar a definir programas locais destinados a minorar os efeitos negativos do ruído, precisamos de um esforço conjunto”. E, do lado das empresas instaladoras e comercializadoras, “é necessária mais informação técnica para melhor informar os clientes, não só para otimizar a parte térmica, como também o isolamento acústico”.

O responsável da ANFAJE considera que faria sentido ter programas mais direcionados para o melhoramento acústico de janelas, e que os atuais financiamentos públicos, como o Vale Eficiência ou o Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis “poderiam reunir as várias necessidades, se fossem mais bem desenhados, a forma de comunicar teria de ser diferente, mas estas melhorias poderiam ser alavancadas com uma exigência superior no tipo de vidro, por exemplo”.

Do lado da ANFAJE, a associação compromete-se a “abrir o debate e envolver entidades que estudam estas questões do isolamento e da acústica, porque é tão importante como a questão do isolamento térmico. Quando o Estado dá apoios para instalação de janelas eficientes, não é só a questão térmica que está em jogo, é também a acústica”, conclui.

26 de abril – Dia Internacional da Consciencialização sobre o Ruído

Uma campanha global com o objetivo de através de destacar o impacto nocivo do ruído excessivo no bem-estar e saúde das pessoas, que convida a 60 segundos de silêncio