A Humanidade está num ponto de viragem, e enfrenta hoje sérios desafios no que diz respeito às alterações climáticas. É a qualidade de vida das futuras gerações e a sobrevivência que estão em causa. Mas há soluções, e algumas, com maior impacto, podem estar na construção, nomeadamente na utilização da madeira. É o que garante Manuel Collares Pereira, professor catedrático, investigador coordenador hoje aposentado, tendo sido (2010-2020) fundador e Chairman da Cátedra de Energias Renováveis da Universidade de Évora, Membro do Conselho de Administração da Fundação Europeia do Ambiente entre 2012 e 2018, e atualmente Consultor Científico da Vanguard Properties.
Este foi o tema de conversa entre Paulo Caiado, presidente da APEMIP, e o professor Manuel Collares Pereira, com base na experiência e atividade da Vanguard Properties, empresa de renome no setor imobiliário que tem vindo a crescer e a apostar fortemente na construção sustentável e modular, nomeadamente em madeira, adquirindo e expandindo a Kōzōwood, empresa que fabrica em Portugal componentes de madeira para construção.
Assumindo a vontade de “revolucionar o setor da construção em Portugal”, Manuel Collares Pereira considera que esta nova construção “é uma oportunidade extraordinária” para fazer as coisas de forma sustentável, e tem a certeza de que “é possível fazer diferente”. Esta solução “está ao nosso alcance, e com um custo razoável. É uma possibilidade de resolver o problema”.
A Vanguard Properties percebeu que “se queríamos desenvolver este tipo de abordagem de forma sustentável, tínhamos de fabricar em Portugal, para evitar transporte e emissões. E temos a matéria-prima no nosso país”.
A empresa produz o suficiente para a sua atividade, mas também já faz componentes para qualquer empresa que as queira comprar. “Temos contactos e pedidos de empresas que começam a perceber que este é o caminho. O nosso percurso está a alimentar de forma positiva outros atores e empresas do país, que já tinham mais atividade na construção modular, por exemplo, e que agora estão a crescer. Mais empresas vão entrar no mercado, esperamos nós”.
Uma mudança de paradigma que pode “resolver vários problemas”
Segundo o professor, “a madeira não vai criar um novo problema de sustentabilidade, mas isso pode não ser evidente. Este setor é curioso, porque resolve uma série de problemas”. Sabe-se que o problema das alterações climáticas “não se resolve sem duas componentes: energia limpa e sequestro de carbono”. E a construção em madeira permite “tirar partido do que temos”.
Por um lado, através da pré-fabricação, que permite fazer peças em fábrica e montagem no local da obra. “Posso construir até 5 vezes mais rápido do que na construção convencional”, o que poupa recursos, custos e emissões. E, pelo facto de permitir construir com escala, pode também ajudar a resolver o problema da habitação, criando mais oferta de forma rápida.
Por outro, a construção em madeira contribuirá também para a boa gestão florestal do país. Estando fora de questão usar florestas como a da Amazónia ou outros ecossistemas pristinos, complexos e equilibrados do género, há que ter outro tipo de floresta, bem gerida. “Gerir é complexo e custa dinheiro, temos de valorizar o nosso pinhal de forma que compense o esforço de o manter saudável e equilibrado. Temos de usar esse tipo de florestas, dando uso rentável à madeira, reduzindo o risco de incêndios e substituindo cada árvore retirada por uma árvore nova que cresça de novo. E em Portugal, temos condições para isso, mas não gerimos bem a floresta ainda”. Além disso, as espécies nativas (como o pinheiro) são da melhor qualidade para este fim, segundo Manuel Collares Pereira.
Outra das grandes vantagens de usar madeira na construção é o facto de a madeira armazenar e incorporar carbono. “Se usarmos madeira em vez de cimento ou alvenaria, deixamos de emitir uma parte do carbono, e vamos ‘buscar’ CO2 à atmosfera, pelo facto de usar a madeira” que já incorpora esse carbono. Esta capacidade de retirar CO2 da atmosfera e de armazenar o respetivo carbono, é mesmo essencial para cumprir objetivos como os de não permitir que a temperatura média do Planeta não suba mais de 2ºC.
A construção com madeira e mais industrializada tem ainda outra vantagem, nomeadamente o facto de ser “uma construção seca”, que não implica água, lamas ou o maior impacto ambiental associado.
Boa durabilidade e boa resistência ao fogo: desfazer mitos
A incorporação da madeira na construção não implica construir integralmente em madeira, mas sim substituir as componentes necessárias, como postes, vigas, pórticos, paredes, entre outros, e misturar com outros materiais, garantindo sempre a resistência sísmica ou a durabilidade. Tudo depende da arquitetura e a engenharia.
Mas ainda há mitos a desfazer. Por exemplo, a durabilidade. Segundo Manuel Collares Pereira, a construção em madeira também pode ser pensada no mesmo horizonte temporal que o betão (cerca de 100 anos) que, por sinal, “não é eterno”. Por outro lado, a capacidade de construção em altura. “É possível construir com muitos andares. Será uma grande disrupção”.
E talvez o maior de todos: a resistência ao fogo. Manuel Collares Pereira garante que um edifício em madeira “não é nenhum fósforo”, apesar de a madeira ser combustível. “Um incêndio que levaria à queima total de um edifício em madeira, também não deixaria de pé um edifício em betão porque, não sendo combustível, quando o betão é aquecido fica mais frágil” e “a sua estrutura colapsa com o calor” O mais importante, é que a madeira “dá mais tempo para que um edifício seja totalmente evacuado do que dá um prédio convencional neste tipo de situação”.
Construir com madeira não tem de ser mais caro
Manuel Collares Pereira admite que, numa fase inicial, este tipo de construção não vai ser mais barato. No entanto, pode não ser mais caro, “fazendo as contas todas, nomeadamente o custo do dinheiro parado vários anos”, já que a construção tradicional é, tendencialmente, mais lenta. “É possível que, em 6 meses, o produto esteja pronto para começar a vender”, por exemplo. Além disso, o facto de ser uma solução de construção seca, mais limpa, faz com que uma série de custos sejam evitados, mesmo que, apesar de não ser imputados diretamente ao construtor, têm o seu impacto para a sociedade. Com o passar do tempo, “não há razão para que este tipo de construção seja mais caro”. O que é certo, é que “a sustentabilidade obriga a pensar em todos os custos, diretos e indiretos”.
“Só será uma catástrofe se não formos capazes de mudar”
O professor nota ainda que “quando se fala no tema das alterações climáticas, muitas vezes temos um discurso catastrofista, de ‘fim de mundo’. Mas nós não temos essa visão, porque achamos que há soluções, e este tipo de construção é um exemplo, a par das energias renováveis, dos novos combustíveis, de uma maneira de estar diferente, menos consumista. Só será uma catástrofe se não formos capazes de mudar”.