“A habitação é uma das nossas prioridades de política de cidade”

23/11/2022
“A habitação é uma das nossas prioridades de política de cidade”
Foto: Miguel Nogueira | CMP

10 anos volvidos da primeira Semana da Reabilitação Urbana do Porto, que balanço se pode fazer em 2022 do percurso de regeneração urbana da Invicta? E de que forma está hoje a cidade preparada para os novos desafios, sejam de sustentabilidade, económicos ou conjunturais, por exemplo?

A última década foi um período de grande vitalidade na reabilitação e no imobiliário no Porto. A Baixa, o Centro Histórico e o Bonfim, em particular, sofreram uma transformação radical, uma revolução silenciosa que aliou a recuperação do edificado com a instalação de atividades económicas, e com a preservação dos valores patrimoniais pré-existentes. Quem se lembra da cidade há uma ou duas décadas não consegue deixar de reconhecer a transformação do seu Centro Histórico, transformado de território proscrito em área valorizada e cobiçada e centro de uma cidade que se reinventou e evoluiu.

Se tivesse que ilustrar o renascimento urbano da cidade do Porto nesta década, usaria o que fizemos no Mercado do Bolhão como uma boa metáfora: num edifício classificado, mas decadente e moribundo, levou-se a cabo uma operação de transformação na continuidade, construiu-se um edifício sob um outro, e preparou-se o futuro do equipamento para os próximos 100 anos. Tudo isto sem beliscar o valor patrimonial do edifício e reforçando o valor patrimonial imaterial da atividade mercantil, que nele queríamos que continuasse a existir. O que pretendemos para os próximos dez anos do Porto é um pouco o mesmo: a continuação desta dinâmica de qualificação, de desenvolvimento económico, de valorização do território, no respeito pelos valores pré-existentes, pela história da cidade, pela sua atmosfera e pela sua alma, se quisermos. Apesar da conjuntura externa complexa, dos desafios estruturais do país e dos ventos adversos que sopram neste momento em toda a Europa, penso que soubemos, coletivamente, colocar a cidade do Porto numa posição privilegiada para encarar com otimismo os desafios de médio prazo. A cidade já não é a mesma de há 10 ou 20 anos, e penso que já não recuará nesta senda de desenvolvimento - assim o exigem os seus cidadãos. O Porto faz hoje parte de um conjunto muito alargado de redes internacionais, é uma cidade considerada como porto seguro para a instalação de atividades económicas, esgrime um conjunto de argumentos muito interessantes na cooperação e competição pelo desenvolvimento urbano, e está mais coesa, desenvolvida e aberta à novidade. Creio que criámos uma dinâmica e um conjunto de mecanismos e instrumentos que nos permite estar otimistas quanto à sustentabilidade do desenvolvimento da cidade na próxima década.

De que forma é que o novo PDM do Porto se propõe continuar a guiar este caminho?

O novo PDM, aprovado no ano passado, é o principal instrumento para este novo ciclo de consolidação do desenvolvimento da cidade que pretendemos para a próxima década. A sustentabilidade, ambiental, social e económica, é precisamente um dos seus principais vetores, tendo-se investido num plano de última geração, com novos conceitos operativos, mas numa lógica de evolução na continuidade. Introduziu novas qualificações de solo – as áreas de atividade económica, por exemplo – ao mesmo tempo que reitera a importância de uma reabilitação urbana de qualidade, na defesa dos valores patrimoniais de que a nossa cidade é, felizmente, rica. Numa palavra, o novo plano para a cidade pretende o equilíbrio, seja entre a promoção nova e a recuperação dos tecidos consolidados, seja entre as funções urbanas tradicionais e as novas ocupações do solo, seja ainda entre a defesa da “atmosfera” da cidade e a modernização das suas infraestruturas. Parece-me particularmente relevante o equilíbrio que se propõe entre a reabilitação da área histórica, o aumento da densidade inteligente de zonas estratégicas da cidade e a defesa reforçada dos valores ambientais do território, materializada numa estrutura ecológica municipal que lhe serve de matriz. Trata-se de uma equação complexa, mas que do nosso ponto de vista foi bem resolvida no novo PDM, que se constitui como ferramenta imprescindível para o futuro do Porto.

E qual o papel que terá o Pacto do Porto para o Clima na descarbonização da cidade, e que desafios trará à reabilitação urbana?

O Pacto do Porto para o Clima é uma iniciativa municipal que procura agregar os diversos ‘stakeholders’ da cidade, no que diz respeito à antecipação da meta da neutralidade carbónica até 2030. Sabendo que as organizações da esfera municipal apenas são responsáveis por 6% das emissões de gases de efeito de estufa, é imperativo que exista uma mobilização integral da cidade tendo em vista o cumprimento deste ambicioso desígnio. Sabendo também que os edifícios são responsáveis por cerca de 50% das emissões, a reabilitação do edificado desempenha um papel crucial na ambição de descarbonização. Toda a reabilitação urbana que envolva a requalificação do edificado, nomeadamente no que diz respeito ao aumento da sua eficiência energética e a um uso mais racional de energia, terá um impacto positivo tendo em vista a descarbonização da cidade e a mitigação das alterações climáticas.

Se a tudo isto somarmos uma visão de cidade como produtora de energia, o incentivo à produção de energia descentralizada de base solar poderá ser o indutor necessário a termos mais ‘positive energy buildings’, isto é, edifícios com emissões negativas de CO2, o que muito contribuirá para ambição da neutralidade carbónica do Porto. Claro que teremos de avaliar as restrições existentes à instalação de painéis solares no Centro Histórico da cidade, mas tais limitações poderão ser ultrapassadas recorrendo à criação de Comunidades de Energia Renovável, política que queremos estender, por exemplo, a todos os edifícios de habitação social na cidade durante os próximos anos.

Quais são hoje alguns dos grandes projetos estruturantes de regeneração urbana e desenvolvimento do Porto, recentemente concluídos, como o novo Terminal Intermodal de Campanhã, ou em andamento, como o antigo Matadouro? (entre outros) Quais aqueles que considera que merecem destaque neste contexto?

No horizonte próximo antevêem-se grandes projetos urbanos que mudarão a face da cidade. Refiro três. Primeiro, o projeto da Avenida Nun’Alvares, projeto adiado por mais de 70 anos, em que estamos ativamente a trabalhar, e que concretizará a urbanização de uma grande bolsa de terrenos expectantes na parte ocidental da cidade. Os trabalhos estão muito avançados, temos vindo a trabalhar com todos os proprietários da zona na concretização dessa Unidade Operativa (UOPG), e em breve teremos certamente novidades. Uma coisa é certa: este é o momento de tirar esse projeto do papel e concretizá-lo no terreno. Estamos muito otimistas e confiantes no seu sucesso. O segundo exemplo não é um projeto concreto, mas antes um conjunto de ações que contribuirão para a consolidação da reabilitação do centro da cidade e da expansão dessa dinâmica para nascente. Já referi e reitero a importância do Mercado do Bolhão, que reforçará a centralidade da Baixa do Porto como referência de toda a Área Metropolitana. Mas invoco ainda o novo plano de gestão do Centro Histórico que balizará a reabilitação continuada da Património da Humanidade, a reabilitação e reabertura do Cinema Batalha, o projeto de expansão da Biblioteca Pública Municipal, e um conjunto muito vasto de iniciativas privadas que estão, todos os dias, a contribuir para a qualificação deste território, talvez melhor ilustradas pela obra que decorre em bom ritmo no quarteirão de D. João I, projeto que retomou a sua dinâmica a partir de 2019, depois de anos parado, e está perto da sua conclusão. Finalmente termino a oriente, em Campanhã, que, como é sabido, foi sempre uma prioridade dos meus mandatos, e que conhecerá uma oportunidade única de reforço do ímpeto de renovação e transformação com a entrada da linha de alta velocidade na cidade do Porto. Estamos a trabalhar ativamente com a IP nos primeiros passos de um Plano de Urbanização que abrange toda a área da estação ferroviária, que será o culminar de um trabalho iniciado pelo Masterplan Estratégico (que desenvolvemos há quatro anos), passando pela nova estratégia para a área que incluímos no PDM no ano passado, e que terminará então com este novo plano urbanístico que permitirá reequilibrar a cidade, trazendo novas oportunidades de investimento e crescimento.

No que diz respeito à habitação, quais os desafios mais urgentes da cidade do Porto nesta área? E de que forma é que a autarquia está a priorizar a mesma?

A habitação é uma das nossas prioridades de política de cidade. O Porto tem uma estrutura residencial peculiar no país: é, proporcionalmente, o município com maior percentagem de habitação pública de Portugal. Essa resposta destina-se, quase exclusivamente, a dar resposta às necessidades dos estratos mais desfavorecidos da sociedade. Hoje, porém, o problema da habitação é particularmente agudo na classe média. Temos acompanhado a evolução das políticas, da legislação e dos instrumentos de financiamento do Estado Central na construção de um novo mercado de arrendamento acessível com projetos e iniciativas próprias, e adaptámos as nossas próprias regras e planos a essa prioridade. Novamente refiro o PDM, onde introduzimos um conjunto de incentivos à promoção privada de habitação acessível, mas também de requisitos que obrigam ao seu provimento em determinadas zonas do centro da cidade. Por outro lado, incumbimos a empresa municipal Porto Vivo, SRU com a responsabilidade de operacionalização desta nova Política Municipal de Habitação Acessível, lançando iniciativas próprias de reabilitação do parque municipal destinando-o a esse novo mercado, bem como colaborando com o sector privado, designadamente com o nosso programa “Porto com Sentido”, que está a fazer o seu caminho, é reconhecido pelos promotores privados e está a ser bem-sucedido. Neste mesmo programa estamos prestes a assinar os primeiros contratos na modalidade ‘Build to Rent’, provavelmente antes do fim do ano.

No que concerne as iniciativas municipais de habitação já conhecidas, nomeadamente de renda acessível, como Lordelo do Ouro, Monte da Bela, Monte Pedral, que novidades podem dar? Em que fase estão estes projetos, e quais as perspetivas para os próximos meses?

O maior desses projetos é o de Lordelo do Ouro. Esse será promovido diretamente pelo município, foi objeto do maior concurso de conceção que a Câmara Municipal do Porto alguma vez lançou, e as equipas projetistas estão a trabalhar nos projetos de execução. Seguir-se-á a fase de revisão do projeto, obrigatória tendo em consideração o volume de investimento e o lançamento dos concursos de empreitada. O próximo ano será o ano-chave neste processo, garantido que está o financiamento da operação – acabámos de aprovar um financiamento bancário para a sua execução. Os outros dois, em Campanhã e em Cedofeita, serão, com toda a certeza, objeto de parcerias com investidores privados. A Câmara Municipal encarregar-se-á da construção das infraestruturas urbanísticas dos loteamentos entretanto aprovados. Os projetos também estão na sua fase final, e lançaremos as empreitadas no próximo ano. Quanto ao modelo de desenvolvimento dos projetos habitacionais, estamos a fechar o seu modelo económico, e teremos certamente novidades a este respeito no próximo semestre.

Que outros projetos/iniciativas semelhantes está a Câmara do Porto a planear?

Para além dos grandes projetos que já referi, há um conjunto de cerca de 180 edifícios municipais cuja gestão passou para a Sociedade de Reabilitação Urbana, que estamos a começar a reabilitar, alguns em parceria com o sector privado, que uma vez concluídos serão canalizados para o mercado de renda acessível. Há ainda dois terrenos que passaram do IHRU para o município que irão ser objeto de um concurso público com vista à construção de perto de uma centena de novos fogos, também eles de renda acessível. Finalmente, estamos a desenhar projetos urbanos de larga escala em terrenos municipais, designadamente em Campanhã, que a médio prazo virão a constituir uma bolsa importante de oportunidades para o município. Em relação a este último aspeto, estamos a tentar deixar para o futuro aquilo que não tivemos quando aqui chegámos: terrenos com capacidade construtiva à disposição da Câmara Municipal para desenvolvimento de projetos urbanísticos. Neste aspeto da habitação nova começámos do zero, esperamos deixar um legado construído, mas também de oportunidades futuras.

Qual o balanço atual que fazem do programa Porto com Sentido, que anunciou recentemente nova modalidade em Build to Rent? Que novidades nos podem avançar sobre o mesmo?

O “Porto com Sentido” começou por ser um programa de captação de fogos privados existentes para o mercado da renda habitacional acessível. Dois anos volvidos, entre unidades privadas e fogos municipais canalizados para este mercado, já entregámos habitação a cerca de 150 famílias. Percebemos desde cedo o interesse dos investidores particulares no lançamento de uma modalidade ‘Build to Rent’, e alterámos as regras do programa de forma a acomodá-la. Se há uma virtude que pensamos que este programa tem é a sua simplicidade, que - esperamos - seja um bom contraponto à miríade de regras e imposições que emanam do Estado Central no que diz respeito ao mercado de arrendamento habitacional. A constante instabilidade legislativa e fiscal joga contra este nosso esforço, no entanto pensamos que temos conseguido ganhar a confiança dos parceiros privados. Nos próximos meses, como já referi, iremos assinar os primeiros contratos nesta nova modalidade, num total aproximado de 100 novos fogos. Pessoalmente, reputo como um sucesso este programa, que está a fazer algo extremamente difícil: criar um mercado público de renda acessível a partir do zero absoluto.

Que consequências podem a cidade do Porto e o seu mercado imobiliário esperar desta nova crise e contexto global mais incerto? Gostaria de transmitir alguma mensagem aos promotores e investidores imobiliários?

No passado mês de março, no MIPIM, colocaram-me uma pergunta de teor muito semelhante a esta. Repito a resposta que dei então, que me parece manter-se válida: na equação de um qualquer investimento, um dos fatores fundamentais é o risco, real ou percecionado. A alteração das condições de risco não elimina o investimento, apenas altera os seus parâmetros. O país, e a cidade do Porto, têm bons argumentos para continuarem a atrair investimento. Os nossos ‘fundamentals’ mantêm-se saudáveis, os nossos argumentos estão reforçados, somos uma cidade dinâmica, confortável e interessante. Temos oportunidades em vários mercados, no residencial, nos serviços, na logística, no turismo e no comércio. Mantemo-nos numa trajetória de afirmação internacional da cidade e temos conseguido manter captar talento e investimento. O Porto está bem e recomenda-se.