Pelo menos no segmento residencial, o imobiliário é dos setores que melhor comportamento tem tido, com quebras da atividade económica inauditas à escala global, disse José Maria Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium bcp, no painel “A economia portuguesa em tempos de crise e o impacto no mercado imobiliário” inserido na primeira edição da Conferência da Promoção Imobiliária – COPIP, que decorreu esta semana num formato 100% online. “Se há esperança, é neste setor que vale a pena investir”. E fala num claro paradoxo da resiliência deste segmento, até porque existem “doses massivas de liquidez, que têm de ir para algum sítio”, mencionou. “Temos também políticas de suporte ao rendimento das famílias, mas isso não chegaria para explicar como o setor e os preços continuam a crescer. O desemprego está basicamente concentrado em setores como o alojamento e a restauração. São setores que empregam muita gente com baixas qualificações, que tendem mais a arrendar do que a comprar casa”.
Cyrille Mascarelle, administrador delegado da Victoria Seguros, acrescenta que o sentimento do mercado nos últimos tempos é confuso. “Noutros setores, como hotelaria ou escritórios, a decisão pode ficar em suspenso, nomeadamente em relação ao turismo de negócios. Mas até agora, no que diz respeito à promoção de nova habitação, há procura, que tem de ser dinamizada, mas os promotores não têm demasiada preocupação”. O executivo confessa que o indicador do desemprego vai ser muito importante para perceber onde temos pontos fracos e que novas políticas de investimento podemos dinamizar.
Recuperação rápida, ainda que parcial
José Maria Brandão de Brito acrescenta que, apesar da crise decretada, o desconfinamento está a levar a uma recuperação muito rápida, ainda que parcial. “Em 2021 não vamos conseguir recuperar todo o prejuízo que tivemos, mas a recuperação será forte. É fundamental que haja condições de financiamento para que esta recessão não se prolongue demasiado no tempo”. Uma situação radicalmente distinta de 2008, quando o mercado se ressentiu pela falta de capacidade de financiamento. “O quadro regulatório dos bancos é muito mais apertado hoje, e não há dúvida que o imobiliário é um setor ao qual a banca vai estar muito atenta e presente”. Ou seja, o economista-chefe do Millennium bcp considera haver boas razões para a evolução positiva dos preços. “A alavancagem é ainda muito reduzida neste segmento e é um setor onde vamos continuar a ver investimentos”. Brandão de Brito refere ainda que o arrendamento poderá despertar mais apetite. “Vai depender muito do que for a evolução da situação económica e do emprego. Se houver entrada de particulares e fundos, isso vai mexer na estrutura do mercado e vai-se refletir”.
Promoção para arrendamento é oportunidade
A promoção para o arrendamento é claramente uma nova oportunidade de mercado para os promotores, diz Cyrille Mascarelle. “Já era uma oportunidade mesmo antes da crise, uma forma de encontrar financiamento alternativo, nomeadamente fundos de pensão ou seguradoras que procuram rendimento estável e de longo prazo”. Uma tendência que o executivo diz ir ficar em Espanha e em Portugal, até porque “ajuda a melhorar a rentabilidade dos projetos e melhorar a qualidade de vida nas habitações. Pode ser uma boa parceria com os promotores”.
No que diz respeito às moratórias, Cyrille Mascarelle admite que esta descontinuação das medidas de apoio são um risco muito importante. “Sabemos que em Portugal vão durar até final de março de 2021 mas nada impede que sejam prolongadas. Não quer dizer que não haja um trade off, mas o importante é que o mercado de trabalho já esteja em recuperação no primeiro trimestre de 2021”. O administrador delegado da Victoria Seguros é da opinião que vai haver um claro um aumento do custo do crédito. “É inevitável, mas não deverá ser um choque muito grave para o sistema financeiro, já haverá outra capacidade de as famílias responderem às suas obrigações financeiras. E, infelizmente, o desemprego incide sobre quem tende a ser arrendatário. É uma questão complexa, mas não é um risco que nos tire o sono para já”.
O executivo acredita ainda que vai haver mudança de algumas das decisões já tomadas. “Temos de pensar como acelerar o acesso dos jovens à compra da primeira casa. Todos os atores do setor têm de trabalhar para encontrar solução para isto, para que possa ser uma nova oportunidade de mercado para a saída da crise”.
Acelerar a digitalização da banca
Já José Maria Brandão de Brito refere que esta pandemia veio acelerar tendências que já estavam em marcha, nomeadamente a digitalização da banca, por exemplo. “Vai ser muito positivo para a banca, que vai ser obrigada a acelerar esse esforço, em benefício dos clientes e dos consumidores”. O economista-chefe do Millennium bcp fala no facto de a banca ter de ser mais ágil, mais exigente na qualidade do seu ativo, sendo que os projetos terão todos muito potencial. “Sustentabilidade social, mais projetos sociais, vão aumentar com a pandemia. A banca vai ter aqui um papel fundamental. Estou otimista. Esta crise poderá passar mais rapidamente do que se pensa, vamos superar isto em conjunto, e no processo tornaremos as coisas mais humanas, e sairemos daqui mais ágeis e eficientes”.
Na análise de risco da Victoria Seguros, este risco de pandemia é agora verdadeiro. “Temos de a integrar na nossa atividade normal e isto muda a nossa forma de gerir o risco. Temos de acompanhar os nossos clientes e promotores nessa mudança. Ter trabalho, ter uma habitação saudável, sustentável, é importante e podemos criar novas soluções para essa nova procura que vai existir para este novo modelo misto de trabalhar em casa e no escritório”, finalizou o administrador delegado da Victoria Seguros.