O problema do acesso à habitação em Portugal “é complexo de resolver, não há soluções simples, e não podemos dizer às pessoas que há uma solução fácil e rápida. O planeamento não feito como deveria, e durante 20 anos ignorámos as mudanças que estavam a acontecer na sociedade”. É o que defende Miguel Maya, presidente da Comissão Executiva do Millennium bcp, que foi orador convidado da Conferência da Promoção Imobiliária em Portugal a 26 de junho.
Falando no painel “A visão do financiamento imobiliário”, entrevistado pela jornalista da CNN Rita Rodrigues, Miguel Maya defende que é necessário dar resposta aos jovens que procuram a primeira habitação, e “focar no reforço dos mecanismos que nos permitam criar maior oferta, com preços mais controlados”. É cético quanto à associação que se faz da entrada em vigor do modelo de garantia pública do Estado para o crédito à habitação jovem com o aumento dos preços da habitação no primeiro trimestre deste ano. “O tema não deve ser a garantia pública, mas sim o reforço da oferta. Nós só usamos essa garantia pública porque não temos outra forma de financiar a 100%, se não, o banco tomaria esse risco, e sem receio, mas com rigor. Não tenho qualquer expetativa de usar a garantia pública para recuperação de crédito”. E recorda que mesmo as moratórias do crédito à habitação concedidas durante a pandemia “acabaram por não ser a ‘bomba-relógio’ que se dizia. Porque sabemos que as causas do incumprimento são, fundamentalmente, o desemprego, a doença ou o divórcio”.
O financiamento de projetos para arrendamento é apontado como uma das alternativas para aumentar a oferta, com mais flexibilidade para as famílias. Miguel Maya testemunha que “é um modelo que funciona muito bem e faz parte do portfólio do banco. Mas a grande questão é a confiança dos investidores, que temem ter as rendas condicionadas de repente, por exemplo. Com este risco, os bancos também pedem um spread superior. Por isso, precisamos de mais previsibilidade para esse investimento”. Este modelo compete também com um modelo de compra e venda que permite colocar os imóveis no mercado muito rapidamente, pelo que não é ainda suficientemente atrativo em escala.
Miguel Maya defende a necessidade de “uma capacidade de entendimento político e linhas estruturais [para a habitação] que perdurassem no tempo”, e que não se alterassem necessariamente entre Governos, para garantir esta mesma previsibilidade. Seja como for, não duvida que “é muito importante resolver o problema da habitação das pessoas”.
Grande desafio é colocar a liquidez ao serviço da economia
Miguel Maia considera que “a banca portuguesa fez uma evolução muito forte nos últimos 10 a 15 anos, em resultado de uma situação mais difícil. Encarou os problemas de frente, e fez as transformações estruturais que tinha de fazer”. E congratula-se com o facto de o Millennium bcp ser hoje “um dos bancos mais eficientes da zona euro. Reforçámos a nossa capacidade de apoio da economia. Passamos de uma percentagem de créditos de 167% para um baixíssimo rácio de 70% (e seria muito melhor para a sociedade que estivéssemos perto dos 90%)”. Em termos de liquidez, avança que os ativos do Millennium bcp somam cerca de 30.000 milhões de euros, o que considera “uma posição invejável. O grande desafio é colocar esta liquidez ao serviço da economia e fazer uma boa alocação dos fundos”.
De qualquer forma, acredita que a banca hoje não faz parte dos principais fiscos para a economia. “Os riscos atuais passam por outras coisas, nomeadamente o risco de inação. Estamos habituados a ter múltiplos pontos de referência para tomar decisões, mas hoje temos de ser capazes de atuar com menos certezas, num enquadramento de maior ambiguidade. Temos de avaliar os riscos e ter coragem de fazer os investimentos”.
Sustentabilidade na perspetiva da resiliência
Para o responsável do Millennium bcp, o tema da responsabilidade “é muito sério, todos temos de ter essa preocupação com o futuro do planeta, e é muito importante que não sigamos o caminho de outros que flexibilizam as regras [como os Estados Unidos], devemos marcar o nosso próprio rumo”.
Mas também “devemos retirar complexidade, definir prioridade e criar condições para cumprir esses objetivos prioritários”, nomeadamente no que diz respeito à Taxonomia Europeia. Partilha que a sua maior preocupação atual, em termos pessoais, “tem a ver não com a transição, mas mais com a resiliência. Porque temos muito claro o estado do mundo e dificilmente os objetivos serão cumpridos nos prazos definidos, por isso as consequências climáticas são inevitáveis. E Portugal é um dos países mais expostos”.
“Se todos conhecerem as regras, todos podem estar empenhados e motivados nos seus objetivos. O Millennium bcp vai seguir o seu papel, na sua própria educação, e percebendo como podemos ajudar os clientes a fazer a transição necessária”.
Personalização é uma mais-valia num mundo mais instável
Para Miguel Maya, o mundo atual “exige soluções mais personalizadas e menos estandardizadas. Temos um conjunto de produtos com uma capacidade de customização muito superior, é nisso que estamos a trabalhar, sobretudo na capacidade de entendimento dos riscos. A agilidade exige-se internamente. Temos de aprender com os erros do passado, sim, mas temos de nos adaptar rapidamente. Temos de gerir o risco, e não fugir dele”.