Pandemia e guerra trouxe necessidade de afetar património para acolhimento habitacional

06/04/2022
Pandemia e guerra trouxe necessidade de afetar património para acolhimento habitacional

Agora que parecemos estar no final do ciclo pandémico, quais as principais linhas estratégicas da SCML para a gestão e valorização do seu património imobiliário no contexto pós-Covid?

A Santa Casa é proprietária de um património muito significativo na cidade de Lisboa, obtido, na sua maioria, através da confiança e da admiração dos seus beneméritos. Este património, entregue à instituição, constitui uma das nossas maiores fontes de receita e destina-se, essencialmente, a contribuir para a missão diária da Misericórdia de Lisboa de apoiar as “Boas Causas”.

Isto é uma honra e um privilégio, mas também uma grande responsabilidade. Existe sempre uma expectativa das pessoas que doam o património à Misericórdia de Lisboa, de que será utilizado para a nossa missão de apoio aos mais desprotegidos. São essas espectativas que não podemos nunca defraudar.

Por isso, a Misericórdia de Lisboa tem, em qualquer momento da sua história, o dever de reabilitar, conservar e rentabilizar o seu património, promovendo a realização de projetos e obras para criação de novas respostas que assumam, em cada momento, as necessidades daqueles que mais precisam. Prezamos em primeiro lugar a manutenção e reabilitação do nosso património, recorrendo à alienação do mesmo apenas quando tal seja possível e se revele adequado para a angariação de mais receita destinada à promoção das “Boas Causas”.

O património da SCML é destinado prioritariamente à instalação dos nossos equipamentos sociais e de saúde (Estruturas Residenciais para Idosos, Centros de Dia, Unidades de Cuidados Continuados, Casas de autonomia destinadas a apoiar a transição de jovens para a vida adulta, e equipamentos da instituição destinados à primeira infância) mas é também um ativo que permite a obtenção de receitas que são absolutamente nucleares para a nossa atividade.

O período de pandemia, que ainda não terminou, agora agravado pela situação de guerra vivida na Ucrânia, trouxe a necessidade de afetarmos património à criação de respostas de emergência para acolhimento habitacional. Em alinhamento com as medidas implementadas pelo Governo, a Santa Casa integra, evidentemente, a resposta nacional. Criámos uma bolsa de alojamento temporário com capacidade para cerca de 200 camas, bem como um programa de arrendamento especial transitório, com redução de renda e dispensa de um conjunto de requisitos, como a prestação de cauções, fiador, entre outros, que seriam impossíveis de cumprir por parte dos que fogem aos conflitos armados e chegam diariamente a Portugal à procura de auxílio.

Em termos de estratégia pretendemos, através da reabilitação, alargar cada vez mais a nossa oferta de imóveis para Arrendamento e Arrendamento Jovem. Este ano vamos colocar cerca de 40 novas frações no mercado. Com este reforço a instituição garante não só a obtenção de mais receita, mas a devolução de mais parque habitacional à cidade.

Que impacto tiveram estes dois anos de pandemia na estratégia e execução dos investimentos que tinham previstos nesta área do património imobiliário?

Na estratégia e execução dos investimentos na área do património imobiliário ocorreu efetivamente um impacto devido à Pandemia, e agora devido à guerra da Ucrânia. Mas a Santa Casa é uma instituição muito resiliente, com mais de 500 anos, e soube sempre adaptar-se e ultrapassar conjunturas menos positivas. Temos um compromisso muito sério com a nossa missão de responder às necessidades dos mais carenciados. O que estes momentos nos têm demonstrado é a capacidade que a SCML tem, em qualquer área, inclusive no património, de se adaptar, de alterar estratégias, objetivos, de agir para prestar apoio imediato a quem mais precisa e se apresentar junto das entidades governamentais e municipais como um parceiro fundamental na execução das orientações necessárias para enfrentar as dificuldades que resultam destas situações.

Novos focos de atuação

Em termos de investimento previsto para 2022, qual o valor alocado ao desenvolvimento e recuperação de património e como é que compara com os últimos anos pré-Covid?

Tivemos de nos adaptar à situação pandémica e às dificuldades financeiras que dela resultaram, que afetaram de forma transversal todas as empresas e instituições. Em 2021 e 2022, a SCML reduziu em cerca de 50% o orçamento de investimento destinado à recuperação do património, comparativamente com o ano pré-pandemia (2019). Houve necessidade de nos focarmos nas áreas da ação social e saúde, atendendo ao aumento exponencial de pessoas a necessitar do apoio da SCML, nomeadamente no apoio domiciliário, proteção de menores, acolhimento de refugiados e criação de espaços de retaguarda e de trabalho adaptados à situação pandémica.

Mas vamos tentar alavancar o investimento necessário ao andamento e conclusão dos nossos projetos, através do recurso a fundos comunitários como o PRR, PT 2030 e linhas de crédito bonificadas. Submetemos já candidaturas ao PRR para reabilitação dos nossos imóveis no âmbito Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário, Alojamento Estudantil a Custos Acessíveis e Alargamento da Rede de Equipamentos e Respostas Sociais, num valor estimado de 30 Milhões de euros.

Qual o ponto de situação dos investimentos concretizados nos últimos dois anos na área de habitação quer no que respeita aos novos projetos imobiliários quer aos projetos de reabilitação?

A Pandemia trouxe algumas limitações ao desenvolvimento de projetos, obtenção de licenciamentos e andamento de obras, com reflexos no alargamento dos prazos estimados para conclusão. A necessidade de adaptação ao teletrabalho, a falta de materiais e mão de obra e o aumento dos preços, agora agravados pela situação de Guerra na Ucrânia, preocupam a SCML pois dificultam o normal desenvolvimento dos projetos em curso, bem como o lançamento de novos.

Mas mesmo com essas limitações temos conseguido avançar.

Em projetos de reabilitação para arrendamento concluímos este ano o da Rua dos Douradores e da Travessa do Rosário, que disponibilizámos já para arrendamento jovem, num total de 23 frações. Até ao final do ano estarão prontos os projetos da Rua do Século, da Calçada da Ajuda e da Travessa das Flores, destinados a arrendamento a valores de mercado, com mais 15 frações.

Também estamos a avançar com o projeto da Sousa Martins com conclusão prevista para 2023.

Nos imóveis destinados à missão da Santa Casa nas áreas da ação social e Saúde, a Unidade de Cuidados Continuados Integrados Rainha Dona Leonor já está concluída e em funcionamento, bem como o edifício de Monsanto, antiga fábrica da Nestlé doada à SCML, cuja abertura se prevê para breve.

A SCML já afirmou diversas vezes a sua disponibilidade para contribuir para as grandes iniciativas que visam criar respostas no domínio da habitação. Uma iniciativa concreta já anunciada foi o trabalho com a autarquia de Lisboa para o arrendamento acessível. Em que ponto está este trabalho? Que outras iniciativas têm na calha neste âmbito?

A SCML pretende continuar a contribuir para as grandes iniciativas que visem a criação de respostas no domínio da habitação, em consonância com as políticas públicas, nacionais e locais. Temos estado sempre a trabalhar com o Governo e com a Câmara Municipal de Lisboa para a prossecução deste objetivo. Este trabalho está a ser desenvolvido através do arrendamento jovem, do arrendamento e alojamento para deslocados da guerra da Ucrânia e do desenvolvimento de projetos que permitam o aumento de habitação acessível na cidade de Lisboa. A Santa Casa integra, inclusive, o Conselho Municipal da Habitação, onde se identificam as múltiplas necessidades do município, quer em termos de solo urbanizado, quer em termos de reabilitação do edificado para dar resposta às diversas carências habitacionais.

Quanto às políticas governamentais, a SCML tem integrando alguns dos seus contratos de arrendamento no quadro do programa de arrendamento acessível do Estado, nomeadamente através da sua participação no Fundo Nacional da Reabilitação Urbana, com o Sub-Fundo ImoMadalena, que já conta com um edifício para renda acessível, prevendo-se a integração de outros.

O balanço do Arrendamento Jovem

Internamente, no que concerne o vosso programa de Arrendamento Jovem, que balanço fazem e quais os planos para o pós-Covid?

Esta iniciativa colocou no mercado, numa primeira fase, 24 frações habitacionais localizadas no centro de Lisboa, contribuindo para contrariar a tendência de envelhecimento da população nos centros urbanos e possibilitar que jovens que trabalhem ou estudem no município de Lisboa possam também nele residir.

Este ano já entraram no programa mais 8 frações, na Travessa do Rosário, e estamos apenas a aguardar a licença de utilização para integrar mais 15 apartamentos, localizados na Rua dos Douradores. Com este reforço a instituição garante não só a devolução de mais parque habitacional à cidade, como também permite melhores condições habitacionais e financeiras aos jovens que nela pretendem viver.

No que concerne outras faixas de população, nomeadamente a população sénior, como é que estão a endereçar a criação de oferta residencial para este tipo de público?

Continuamos a desenvolver projetos residenciais inovadores, com conceitos alternativos de habitação para os mais velhos, tendo por base os princípios da intergeracionalidade e da mobilidade. Estes projetos têm como objetivo promover uma relação intergeracional entre o público jovem e sénior, bem como com a população em geral, de forma a garantir uma interação constante e um desenvolvimento intelectual e social, evitando o isolamento e exclusão recorrente na terceira idade. O objetivo destes projetos é não só permitir a possibilidade de proporcionar habitação às diferentes gerações, mas criar condições físicas efetivas para a sua integração.

Como é que encaram os novos conceitos de habitação (como o co-living, as residências senior, as residências partilhadas ou as residências de estudantes, por exemplo) no contexto da vossa estratégia patrimonial futura?

Como prioritária. Temos neste momento em desenvolvimento, em parceria com o ISCTE, um projeto que visa reabilitar o Recolhimento de Santos o Novo e aumentar a oferta de alojamento em duas valências, Residência Universitária e Estrutura Residencial para Idosos (ERPI), oferecendo um programa residencial de maior quantidade, qualidade e diversidade. O objetivo é desenvolver uma resposta inovadora, que potencia a convivialidade e interajuda entre o público jovem da residência de estudantes e o público sénior da residência para idosos, através da criação de um programa funcional diferenciado com partilha de espaços comuns (o claustro, a horta, as circulações verticais monumentais e os salões nobres e parlatórios monásticos) e dinamização de um programa cultural e social único. Com este projeto obtém-se 118 camas para ERPI, e 118 camas para Residência de Estudantes Universitários.

Em termos do património direcionado para as áreas de cultura, inovação e saúde, que projetos estão em desenvolvimento e que novos investimentos têm previstos?

Na área da Cultura estamos a trabalhar para a abertura do Museu Casa Ásia, que será instalado no Palácio de São Roque, recentemente reabilitado para esse efeito, e que fará parte integrante do Polo Cultural de São Roque, em conjunto com o Museu de São Roque, o Arquivo Histórico da SCML e a Brotéria.

Prevemos também a requalificação do Convento de São Pedro de Alcântara para instalação do Museu das Benemerências, um novo museu que contará a história dos nossos beneméritos, que acompanha, no fundo, toda a história da Santa Casa, e que integrará também o nosso Pólo Cultural.

Relativamente à área da Saúde, continuamos a investir nas Unidades de Cuidados Continuados Integrados, com a abertura da UCCI Rainha D. Leonor (que se vem juntar à UCCI São Roque e UCCI Maria José Nogueira Pinto) e com o acompanhamento da execução do projeto, responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa, da Unidade Intergeracional das Garridas, que contempla ainda outras valências, tais como serviço de apoio domiciliário, unidade de dia e promoção de autonomia e creche.

A criação de uma Unidade de Cuidados Especializados de Demência está a ser desenvolvida em articulação com a ARS-LVT.

Como é que têm integrado as preocupações de sustentabilidade e de descarbonização na vossa política de intervenção sobre o edificado?

Existe um progresso efetivo com avanços tecnológicos, de novas materialidades introduzidas nos projetos e nos processos de construção, que oferecem ao conceito de sustentabilidade uma nova abordagem. Mas essa prática, apesar de determinante na preocupação e na metodologia de intervenção no nosso edificado, é um longo caminho a percorrer. O perfil do nosso património é muito específico. São imóveis que carecem de reabilitação, localizados em zonas afetas a áreas de proteção patrimonial e cultural e sobre as quais incide legislação que estabelece, e bem, os critérios e termos que estas intervenções podem assumir. É um desafio, mas é um desafio que assumimos com entusiamos e determinação.

Quando se considera a Arquitetura Net-Zero, referida como carbono neutro, estamos perante um fragmento de novos projetos de construção que obrigam a uma implantação de conceitos passivos, energia renovável, iluminação eficiente e sistemas solares ativos, que garantem uma eficiência energética necessária. É necessário introduzir todos estes princípios no nosso edificado, garantindo simultaneamente um custo equilibrado de construção/reabilitação.

Assim, temos vindo a trabalhar no sentido otimizar a eficiência energética dos nossos edifícios, substituindo a iluminação para LED e instalado painéis fotovoltaicos sempre que os edifícios o permitam. A SCML assumiu o Compromisso Verde, tendo como objetivo até ao ano de 2030 substituir a totalidade da sua iluminação por LED e instalação de mais painéis fotovoltaicos e solares térmicos. Também estamos a substitui os sistemas de climatização por equipamentos com maior eficiência traduzindo-se numa redução do consumo energético.

Os projetos mais relevantes

Por último, pedíamos que elencassem os projetos que tenham em curso/pipeline mais relevantes quer de reabilitação quer de construção nova, juntando ainda imagens ilustrativas.

A SCML tem diversos projetos em curso, que abrangem diversas repostas. Na área da habitação, estamos a proceder à reabilitação de edifícios de rendimento para o mercado do arrendamento, como já referido, (Edifício Sousa Martins Fotografia 3D e da obra) e a desenvolver projetos para residências de estudantes e seniores, como é o caso do Recolhimento de Santos o Novo.

Existe outro projeto que abarca uma resposta cultural, social e de Alojamento Urgente e Temporário que é muito importante para a SCML, pois proporcionará a Reabilitação do Convento de Santo Antão, denominado Coleginho (plantas/fotografias).O Projeto para criação de uma Unidade de Cuidados Especializados em Demência, já anteriormente referido, é uma proposta que está a ser ponderada para o Edifício de Monsanto. Esta necessidade integra-se no Plano Regional de Saúde para as Demências Região Lisboa e Vale do Tejo, de julho 2019, que tem como principal objetivo assegurar às pessoas com diagnóstico de demência a prestação de cuidados de qualidade, a manutenção da sua integração sociofamiliar e a capacitação do cuidador informal/família alargada para cuidar da pessoa com demência ao longo da doença.

Outro dos nossos grandes projetos é o novo espaço da Mitra, Lisboa Social, que apresentámos o ano passado. É um investimento de cerca de 10 milhões de euros, onde vai nascer uma creche, uma academia de formação dedicada à economia social, uma quinta comunitária, um espaço aberto à comunidade com um jardim de lazer, para além de novos espaços de trabalho dedicados ao empreendedorismo social.

São só alguns exemplos. O nosso pipeline para os próximos anos é bastante extenso, mas estamos a fazer todos os esforços para conseguir concretizá-lo.