Entre 2019 e 2022, deteriorou-se o acesso à habitação em Portugal. A falta de oferta não é nova, mas o problema é agravado com a perda de poder de compra da população nos últimos 3 anos, com os preços das casas a subir, em média, 38%, e o rendimento disponível das famílias apenas 9%. É o que mostra a nova edição do estudo “Acessibilidade à Habitação em Portugal”, apresentado pela Century 21.
É grande o “gap” entre oferta e procura. Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, detalha que a disparidade é mais visível em Lisboa e no Porto. “Na região metropolitana de Lisboa, 43% das habitações em venda têm níveis médios de preço superiores a 330.000€, quando apenas 14% das famílias conseguirá responder a esse nível aquisitivo. Na AML, 55% das famílias inserem-se na classe média, ao passo que apenas 33% da oferta se adequa ao nível de rendimento dessa classe. Na Área Metropolitana do Porto, a classe média representa 61% das famílias, que dispõem apenas de 41% da oferta de imóveis nesse nível de rendimento, novamente, com uma grande parte dos imóveis para venda (28%) a direcionar-se para o público com maior capacidade financeira, mas que representa a menor fatia dos agregados familiares (11%)”.
Segundo o relatório, o rendimento líquido disponível das famílias varia, nas capitais de distrito, entre os 1.973 euros em Lisboa e os 1.426 euros em Viana do Castelo, com a média a fixar-se nos 1.545 euros, muito inferior a outros países da União Europeia, incluindo Espanha.
Este estudo compara os rendimentos líquidos médios anuais por família e os custos da habitação em 40 municípios. Os dados referentes ao rendimento das famílias são baseados nas declarações de rendimento fiscal publicados pelo INE. A informação sobre preços e rendas de mercado tem como fonte a Confidencial Imobiliário.
Taxa de esforço duplica o limite máximo em Lisboa
O estudo identifica algumas zonas críticas com taxas de esforço acima das recomendadas pelo Banco de Portugal e pelo Eurostat. O BdP recomenda que o rendimento destinado à habitação não ultrapasse os 33%, 50% no caso do rendimento líquido para atribuição de crédito à habitação. No entanto, em Lisboa o crédito à habitação representa uma taxa de esforço de 67%, e no Porto de 50%. Esta taxa de esforço ronda os 39% em Faro.
Este indicador é de 30% ou inferior nas restantes capitais de distrito, à exceção das áreas metropolitanas e do Algarve. A taxa de esforço para o crédito à habitação mantém-se dentro das recomendações em 15 das 18 capitais de distrito. Ainda assim, segundo este estudo, que tem como exemplo uma casa de 90 m², nos últimos 3 anos a taxa de esforço associada à compra de casa agravou-se em todos os distritos, significando perda de acessibilidade em Faro e no Porto. Em Lisboa também aumentou, mas o mercado já era considerado inacessível face ao rendimento médio das famílias. Por outro lado, em 2019 comprar uma casa de 90 m² consumia 20% ou menos do orçamento familiar em 15 capitais de distrito. Hoje, apenas 6 estão nesse patamar.
90 m² custam 375.480€ em Lisboa. Rendas rondam os 1.161€
O estudo conclui que, nas capitais de distrito, o valor de um apartamento de 90 m² varia entre os 375.480€ de Lisboa e os 59.040€ da Guarda, com a média nacional a rondar os 152.159€. Lisboa e Porto têm preços médios de 375.000€ e 250.000€, respetivamente, e alguns concelhos do Algarve também estão acima dos 200.000€. Já o interior tem preços marcadamente inferiores, com possibilidades de compra abaixo dos 100.000 euros. Aveiro, Braga ou Setúbal registaram as maiores subidas dos preços dos últimos 10 anos. Em termos absolutos, comprar este exemplo de casa exige hoje pelo menos mais 25.000 euros do que há três anos na maioria das cidades.
Quanto aos encargos com o crédito, a prestação mensal em Lisboa é superior a 1.300 euros, no Porto de 900 euros, enquanto nas restantes cidades não ultrapassa os 600 euros, sendo inferior a 400 euros na maioria. No entanto, num cenário de subida da taxa de juro até aos 5%, a prestação subirá mais de 150 euros mensais na maior parte das cidades, colocando todos os concelhos da AML e da AMP em sobre esforço, assim como Aveiro ou Évora.
Seja como for, aos preços atuais, em muitos casos cumprir a taxa de esforço de 33% do rendimento implicaria comprar uma casa mais pequena. E, ainda assim, comprar é uma opção mais vantajosa, do ponto de vista do encargo mensal, na maior parte das cidades.
No que toca ao arrendamento, as taxas de esforço superam os 53% nas áreas metropolitanas e os 45% em Faro. Subiu em 9 cidades e outras 5 aproximaram-se do limite em 2022. Lisboa apresenta um preço médio de 1.161 euros para o mesmo exemplo de habitação com 90 m², três vezes mais do que em Beja, e 1.017 euros no conjunto da AML. Na maior parte das cidades, com poucas exceções do interior e da estabilização de Lisboa, as rendas subiram nos últimos anos cerca de 80 a 120 euros mensais.
Solução está do lado da oferta e nas políticas de habitação
Este estudo conclui que a principal solução para resolver a questão da acessibilidade da habitação está do lado da oferta, e que é necessário aumentar a oferta ajustada aos escalões de rendimento das famílias. Algumas das soluções apontadas passam pela agilização dos processos de licenciamento e diminuição da complexidade da burocracia a que os projetos imobiliários estão sujeitos. Assim como fomentar a maior industrialização da construção, para que o ciclo de produção seja mais eficiente.
A C21 também defende que “é importante mobilizar e trabalhar com proprietários de terrenos e prédios devolutos, ou subocupados, para potenciar novas soluções de habitação e a colocação de mais imóveis no mercado”. Por outro lado, implementar políticas que assegurem o equilíbrio entre turismo e habitação nas cidades, fomentando a descentralização da procura internacional.
Ricardo Sousa defende que “seria fundamental que o Estado desenvolvesse mais políticas de habitação social para a proteção das famílias carenciadas, cujos rendimentos não permitem aceder a soluções habitacionais condignas, face aos atuais valores de mercado. Estas medidas de habitação social vão também contribuir para retirar pressão no segmento de imóveis de valor mais reduzido e em linha com o poder de compra da classe média. Igualmente importante seria a criação de incentivos para estimular o setor privado a colocar no mercado mais oferta de soluções habitacionais que ajudem a minimizar este desequilíbrio de imóveis para a classe média”.