Resiliência continua a definir atuação do mercado imobiliário nacional

15/06/2022
Resiliência continua a definir atuação do mercado imobiliário nacional

Resiliência é a palavra mais adequada para classificar a postura dos vários players do setor imobiliário e os bancos face à conjuntura atual, alicerçada no aumento dos custos de construção no país e no facto de a guerra na Ucrânia ter disparado a inflação. Uma postura visível na “Conferência Imobiliário: incertezas em contexto de inflação”, organizada pela APPII, Abreu Advogados e Confidencial Imobiliário.

No primeiro painel da conferência, o debate recaiu sobre o tema “desafios no crédito à promoção e habitação”, um painel constituído por vários representantes dos bancos presentes em território português.

Num ponto de vista positivista, João Patrício, do banco BPI, considera que “as empresas estão mais consistentes e as famílias têm melhores condições, com uma situação económico-financeira bem melhor que no passado” e que “reunindo os empresários, o Estado e a banca, temos de tirar partido desta onda”, sublinhando que “tivemos durante sete anos taxas negativas e, a função da banca, é colmatar os riscos, mas sobretudo cuidar das poupanças dos clientes”.

Custos de construção são um problema

Cristina Fontes, da Caixa Geral de Depósitos, acredita que “os custos de construção são um problema, mas um enorme desafio para todos os intervenientes”. Sublinhou que os bancos têm de fazer “um acompanhamento ainda mais apertado, de forma a perceber o que está a acontecer e a antecipar o que vai ocorrer”, acrescentando que “todos nós temos de seguir na mesma direção, em termos de flexibilidade, adotando estratégias que nos levem a bom porto”. António Fontes, do Santander Totta, referiu que este banco tem cerca de 700 projetos de promoção imobiliária em curso e que, “com alguma frequência, contactamos os promotores para saber como se sentem em relação ao mercado e como os projetos estão a decorrer”, frisando que, neste momento, “temos três mercados: o mercado internacional de investidores, o mercado do crédito da habitação com hipoteca e o mercado que pensávamos que não ‘existia’, o de investimento por parte dos portugueses”.

Já o representante do Millennium BCP, Luís Vaz Pereira, refere que “estamos habituados a lidar com riscos”, sendo que “a nossa vontade é de continuar a financiar, dentro dos critérios de crédito que temos vindo a seguir há muito tempo, dando uma cobertura financeira ao projeto, de forma a este ser concluído”. Já Ana Oliveira, do Novo Banco, enfatizou a reorganização interna que o Novo banco procedeu “de forma a haver equipas específicas em termos da promoção imobiliária e financiamento” e que os custos de construção de facto “têm uma consequência direta sobre a margem do próprio projeto imobiliário”, sendo que o Novo Banco tem “o objetivo de apoiar imóveis que se centram no critério de certificação energética”.

Do lado dos promotores imobiliários, no segundo painel da conferência, debateu-se o tema “Inflação e incerteza no modelo de negócios”, com uma análise assente nas dificuldades que as incertezas e imprevisibilidade vão trazer ao imobiliário, bem como os impactos que já se fazem sentir.

A dificuldade de competir num mercado global

Sobre a questão de como de facto se gere este aumento dos custos de construção, no ponto de vista do promotor imobiliário, Nuno Ravara, da Finsolutia, sublinhou que, em primeiro lugar, “é importante contextualizar este fator, o aumento dos custos de construção é derivado de um aumento dos custos de energia, escassez de mão de obra, covid-19, guerra na Ucrânia e tantos outros”, atentando para a dificuldade que o mercado português tem em obter os materiais de construção, pois “tem de competir com o mercado global, é difícil as empresas portuguesas conseguirem comprar materiais de construção a preços mais competitivos, pois os outros países, como os Estados Unidos e a China, absorvem grande parte desses materiais, no contexto em que vivemos”.

“É muito difícil gerir os custos de construção, é um problema global”, confessou Cristóbal de Castro, da Albatross, revelando que a empresa está “a apostar na tecnologia e na industrialização”. No entanto, face a este contexto de aumento dos custos, “estamos a aumentar os preços pouco a pouca de forma a acompanhar este aumento dos custos”, referiu Cristóbal de Castro, atentando ainda para o mercado multifamiliar para arrendamento que “do ponto de vista teórico faz todo o sentido, mas quando tentas fechar a conta não é tão fácil”. Ainda de acordo com Cristóbal de Castro, o chamado mercado build to rent “ainda tem um longo caminho a percorrer” em Portugal, pois “os bancos estão cómodos ao Build to Sell”.

Por outro lado, Aniceto Viegas, da Avenue, traçou uma perspetiva das construções nas cidades portugueses, referindo que “Lisboa e Porto são cidades menos sensíveis ao preço”, no entanto “o prazo de licenciamento prejudica Lisboa, que está com uma lentidão administrativa que prejudica muito o investimento imobiliário” e o “Porto fez uma grande campanha de captação de investimento, captando investidores e clientes, tornando-se destino de muitas pessoas e empresas”.

Francisco Sottomayor, da Norfin, de um ponto de vista do investimento, referiu que “foi levantado muito capital para investir no imobiliário nos últimos anos e, essa dinâmica, vai continuar”, sublinhando que o “País não tem o parque habitacional que merecia ter”. Argumentou ainda que “os preços continuarão a subir e a própria inflação impulsiona isso”, sendo que “vai ser mais caro financiar a aquisição no futuro, o que pode dinamizar um determinado mercado de arrendamento”.

O negativo e o positivo

Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, encerrou a conferência referindo que “o clima de incerteza é brutal e os desafios são muitos: anúncio de uma recessão, inflação que se prevê duradoura e mudança de um ciclo de deflação para inflação, aumento das taxas juro, crise de abastecimentos e crise energética, guerra na Ucrânia, conflito internacional com difícil resolução e de fim imprevisível”. Contudo, é importante atentarmos para os aspetos positivos, como o facto de o “sistema bancário estar mais preparado e com vontade de continuar a financiar mais e mais variados projetos, de se manter o elevado interesse dos investidores institucionais e internacionais, a chegada até de novos investidores individuais, ou o turismo ter regressado em força”.