Risco sísmico: “fomentar uma cultura de prevenção” é prioridade para Lisboa

04/09/2024
Risco sísmico: “fomentar uma cultura de prevenção” é prioridade para Lisboa

O sismo sentido a 26 de agosto veio recordar para a necessidade de prevenção e preparação para um abalo de maior intensidade, que se sabe inevitável. Garantir maior resiliência sísmica dos edifícios e protocolos de segurança eficazes são prioridades para a Câmara Municipal de Lisboa, e é nos edifícios mais antigos que há mais trabalho a fazer. 

Em declarações ao Público Imobiliário, a vereadora do Urbanismo, Joana Almeida, recorda que a autarquia tem vindo a desenvolver um conjunto de projetos e medidas para preparar Lisboa para situações de sismo, tsunami ou inundações, até porque “um dos seis pilares estratégicos deste executivo liderado pelo presidente Carlos Moedas é garantir a resiliência e segurança da cidade de Lisboa face a uma eventual catástrofe natural”. Relativamente aos sismos, “estamos a fomentar uma cultura de prevenção, através de ações de divulgação de informação específica direcionada a grupos-alvo da população, bem como o aprofundamento de estudos de caracterização da cidade, do seu parque edificado e infraestruturas, que progressivamente nos habilitam a tomar decisões mais informadas e certeiras”. 

Joana Almeida, vereadora do Urbanismo da CML
Joana Almeida, vereadora do Urbanismo da CML

O programa “ReSist – Programa municipal de promoção da resiliência sísmica do parque edificado, privado e municipal e infraestruturas urbanas municipais” foi lançado em 2022, pensado com o objetivo de normalizar os standards técnicos e metodologias de avaliação da vulnerabilidade sísmica da cidade, desenvolver ações operacionais para promover a resiliência, de campanhas de sensibilização, novos sistemas de gestão de informação ou definir e implementar critérios de alerta e priorização de intervenções. 

Este programa prevê a implementação de 47 medidas específicas para reduzir o risco sísmico da cidade, nomeadamente através de um ciclo de formação dirigido à comunidade técnica e aos cidadãos, com vista a uma melhor preparação face a uma catástrofe. O ReSist identificará as vias de evacuação prioritárias da cidade e pontos de abrigo em caso de sismo. Está ainda prevista a implementação da marca ReSist, para destacar boas práticas de reabilitação. A Joana Almeida considera que “a nossa Equipa ReSist tem feito um trabalho excelente e temos contado com o apoio do Instituto Superior Técnico, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e ordens profissionais”. 

A vereadora destaca algumas das ações que já chegaram ao terreno desde o início do mandato, como a elaboração da carta do tipo de solos da cidade, a definição da fase de entrega e da estrutura do relatório de avaliação de vulnerabilidade sísmica, georreferenciação e integração nas plataformas municipais de todos os muros de contenção e taludes naturais existentes na cidade, ou a avaliação de viadutos.

“Temos desenvolvido estudos para cada tipologia construtiva existente na cidade, onde se apresentam as suas características arquitetónicas e estruturais, assim como os principais problemas apresentados por cada tipo de edifício e algumas soluções de reforço mais comuns”, explica Joana Almeida. A autarca avança também que “num trabalho conjunto entre Urbanismo, Serviço Municipal de Proteção Civil e Regimento Sapadores Bombeiros, com a colaboração de outros serviços municipais, estamos a desenvolver um mapa com os pontos de encontro, locais seguros para onde a população se deve dirigir em caso de necessidade após um sismo, e as Zonas de Concentração e Apoio à População (ZCAPs), locais para onde posteriormente a população deve ser encaminhada”.

Foi também levada a cabo uma campanha de vistorias a 100 edifícios municipais (50 habitacionais e 50 equipamentos), metodologia replicada em 1.500 edifícios habitacionais. 

A formação tem sido uma preocupação, e já foi dada a professores, arquitetos e técnicos municipais. A CML também realizou o seminário “A valorização do imobiliário através da resiliência sísmica”, dirigido aos profissionais do setor. 

Para incentivar a ação individual, a autarquia também desenvolveu um guia “Faça você mesmo” que disponibiliza boas práticas e soluções de prevenção, como a fixação de armários no interior das habitações ou preparação de kits de emergência, e implementou ações de disseminação de boas práticas junto das juntas de freguesia não só de Lisboa, mas também de outros municípios. 

Esforços “deverão convergir para os edifícios mais antigos”

São os edifícios construídos antes da década de 1980 que inspiram maior preocupação, pois “não estão preparados para resistir a sismos de grande magnitude” e situam-se em zonas populosas, alerta Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitectos. Por isso, “os esforços deverão convergir para os edifícios mais antigos”, passando por “um levantamento com base em observações detalhadas, sondagens e monitorização. Desta forma podem ser definidas estratégias para intervenções de reforço”.

Humberto Varum, presidente do Colégio Nacional de Engenharia Civil da Ordem dos Engenheiros, reconhece as “características bem distintas” dos edifícios construídos em várias épocas. Apesar da maior resistência dos mais recentes, “nunca devemos relaxar a nossa atenção, e devemos sensibilizar cada vez mais a sociedade para a necessidade de sermos cada vez mais exigentes”. 

A Ordem dos Engenheiros Técnicos alerta que o Regime Excecional para a Reabilitação Urbana, em vigor entre 2014 e 2019, “não contemplou qualquer tipo de reforço sísmico”, e algumas das intervenções feitas podem ter agravado o desempenho de alguns edifícios. Carlos Rente, representante da OET no programa ReSist, e José Manuel Sousa, vice-presidente da Ordem, salientam “a necessidade de se intervir de forma pró-ativa e urgente em termos de prevenção e proteção sísmica, dando primordial atenção aos edifícios que devem garantir a operacionalidade imediatamente após a ocorrência de um sismo”. 

Legislação é adequada, mas fiscalização deve ser melhorada

Arquitetos e engenheiros concordam que a legislação antissísmica em vigor é “suficientemente robusta, exigente e abrangente”, e que os profissionais “estão empenhados em cumprir e fazer cumprir a lei, sobretudo em contextos de reabilitação urbana que sabemos serem operações complexas e exigentes”, diz Adelino Oliveira. No entanto, a fiscalização deve ser melhorada. A OET defende “a adoção de regras mais eficazes para a fiscalização das obras, por forma a garantir a qualidade do produto imobiliário”, e Humberto Varum defende “a atualização contínua das normas e legislação relativas ao comportamento sísmico das construções”, assim como o “reforço do rigor na fiscalização das obras e o investimento na formação contínua dos profissionais envolvidos. Uma cultura de rigor ao nível do projeto e das obras é fundamental”. 

Fica claro para as ordens profissionais que “a promoção da resiliência sísmica passa pelo envolvimento de toda a sociedade”, refere a OE. Avelino Oliveira realça que as Áreas Metropolitanas e Comunidades Intermunicipais “devem ter planos bem estruturados” para estes casos. E a OET destaca a importância “do envolvimento dos decisores políticos e da adoção de estratégias concertadas”, a par da instalação de sistemas de alerta precoce, mais educação, planeamento urbano rigoroso, redução da vulnerabilidade das construções ou da criação de um fundo sísmico.

Cobertura contra sismos nos seguros de habitação deve ser mais generalizada 

Atualmente, e apesar de o país ter várias áreas de risco sísmico elevado, como Lisboa, a cobertura contra sismos ainda não é generalizada nos seguros de habitação. Tiago Sarmento, Responsável de Patrimoniais da VICTORIA Seguros, explica que muitos proprietários não estão suficientemente alerta para o risco real de um sismo, “ou acreditam que a probabilidade de ocorrência é baixa, preferindo não pagar um prémio adicional”. Em paralelo, “há casos em que a não contratação resulta da falta de informação relativamente à garantia através de uma apólice de multirriscos”. Mas a VICTORIA defende que “da mesma forma que se torna fundamental a consciencialização da população para um plano de emergência, é igualmente prioritário acautelar a vertente socioeconómica através da divulgação da cobertura de Fenómenos Sísmicos nas apólices de seguro”. 

Tiago Sarmento exemplifica que vários países têm políticas públicas de incentivo para a contratação desta garantia, o que poderia ser útil em Portugal, onde apenas 19% do parque habitacional (cerca de 1 milhão de casas) têm cobertura de risco sísmico contratada. Segundo o responsável, a comparticipação pelo Estado deste tipo de seguros “poderia trazer benefícios significativos, especialmente em zonas de elevado risco sísmico como Lisboa. A criação de um sistema de fundo sísmico, pode ser uma solução para acautelar as necessidades do nosso país, onde Governo e seguradores criarão as sinergias necessárias à sua viabilização”, e a Associação Portuguesa de Seguradores “já por diversas vezes apresentou ao Governo e ao Parlamento uma solução possível de proteção de pessoas e habitações”.