Turismo residencial pede estabilidade. “Temos de ser um bom destino para o investimento”

10/05/2023
Turismo residencial pede estabilidade. “Temos de ser um bom destino para o investimento”
Entrevista a Pedro Fontainhas, diretor executivo da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts

O ano passado foi um ano forte para o turismo residencial e resorts em Portugal, passada a fase da pandemia, com aumentos nas vendas e na valorização dos ativos. Apesar dos efeitos e incertezas da guerra na Ucrânia, o mercado continuou a crescer e a confirmar um país atrativo para investir.

Pedro Fontaínhas, diretor executivo da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts, afirma em entrevista ao Público Imobiliário que “os empresários não se deixaram intimidar, e já durante a pandemia nunca pararam de investir em produto turístico novo, e isso vai dando os seus frutos”. Segundo o responsável, muitos dos compradores de casas em resorts continuam a ser portugueses, e as nacionalidades que mais compram em Portugal são da União Europeia. Uma grande parte são também pequenos aforradores.

Apesar de o Algarve ser a região mais forte, a dinâmica do turismo residencial é transversal a todo o país. Entre o novo pipeline de projetos de turismo residencial, a APR destaca, por exemplo, um investimento de “pelo menos” 70 milhões de euros na zona do Douro, que vai gerar 270 novos postos de trabalho, além de outros novos projetos em Santiago do Cacém, Beja ou Faro.

Novos mercados e novas tendências dinamizam o Algarve

Pedro Fontaínhas recorda que o Algarve é a zona mais dinâmica do país no que ao turismo residencial diz respeito, e continua a registar “muita procura e muita oferta nova”. Parte desta nova oferta de resorts ajusta-se às novas tendências que foram impulsionadas com a pandemia, por exemplo a maior privacidade, questões de higiene e saúde, distribuição sem contacto, casas com espaço para trabalhar e boa ligação à internet. Muitas delas “já estavam a ser trabalhadas antes da pandemia ou já existiam mesmo” nos resorts portugueses.

Um dos novos mercados que mais cresce em Portugal é hoje o norte-americano, mais evidente no Algarve também por ser a zona do país mais dinâmica e com mais oferta de ativos deste tipo. O responsável da APR nota um “grande boom”, e que “o Turismo de Portugal está a fazer um ótimo trabalho de promoção de Portugal do nosso país nos EUA, um país difícil para isso, porque é vastíssimo”.

Por outro lado, o histórico mercado britânico mantém a sua força na região. Pedro Fontaínhas identifica que “o próprio Brexit até talvez tenha acabado por ter um impacto positivo em Portugal, muitos britânicos diversificam os seus investimentos e investem na Europa Continental e na União Europeia, e nós somos um desses países, um mercado histórico, com o qual têm boas relações”. Mas alerta que “não são favas contadas, concorremos muito com outros países, como França ou Espanha”, exemplifica.

Pedro Fontaínhas, diretor executivo da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts
Pedro Fontaínhas, diretor executivo da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts

Anúncios do “Mais Habitação” já travaram investimentos. “Afeta-nos imenso”

A apresentação do programa “Mais Habitação” do Governo, a 16 de fevereiro, tem tido fortes impactos no setor do turismo residencial. Pedro Fontaínhas admite que medidas como o anúncio do fim dos Vistos Gold “afeta-nos imenso”, nomeadamente no que toca à confiança dos investidores.

Aquando da apresentação deste pacote legislativo, “constituímos uma equipa de trabalho com associados nossos, representativos de várias zonas do país, e em menos de uma semana sabemos que foram suspensos investimentos no valor de 600 milhões de euros, associados à criação de cerca de 1.000 postos de trabalho”. Pedro Fontaínhas não duvida de que “estes anúncios têm consequências terríveis”.

Muitos pormenores do “Mais Habitação” estão ainda por conhecer, nomeadamente se o fim da concessão de Autorizações de Residência para Investimento se vai aplicar a ativos que não sejam habitação. A APR defende que haja na nova lei uma efetiva distinção entre o que é habitação e turismo residencial. Explica que “se é verdade que alguns dos nossos associados têm alguns projetos que não são em rigor de exploração turística, é também verdade que a maior parte deles são, e é fácil perceber que um resort é um empreendimento turístico, não é um sítio procurado para habitação permanente, está tudo pensado e preparado para férias seguindo um modelo de negócio muito específico”.

Defendendo a necessidade deste investimento, alerta que, com as alterações introduzidas ao regime das ARIs no início de 2022, que proibiam a compra de habitação para este fim em várias zonas do país, era de esperar que aumentasse o investimento em unidades de turismo residencial, que poderiam representar 44% dos vistos atribuídos no ano. “Isto tem grande impacto, nomeadamente na criação de empregos”.

Seja como for, a APR defende que os Vistos Gold não são significativos no que diz respeito às subidas dos preços da habitação, pois o número de transações que representam é proporcionalmente muito reduzido. Pelo contrário, o investimento que foi captado durante o ano passado deverá ter um efeito multiplicador a representar cerca de 3.000 milhões de euros de investimento no decorrer dos próximos 5 anos, nas contas da associação, “isto representa 18% do PRR. É muito dinheiro”.

Pedro Fontainhas considera que quaisquer dúvidas “devem resolver-se depressa. Esta situação vai afetar muito este setor enquanto não estiver tudo bem definido, e nada faz pior do que a instabilidade fiscal e legislativa e a consequente falta de confiança. Esperamos bom senso e que as consequências destes anúncios intempestivos sejam uma lição para o futuro”. É certo que a maior parte dos investidores não vai simplesmente abandonar o país, mas “acabar definitivamente com os Vistos Gold será uma machadada na nossa reputação internacional. Parte-nos o coração destruir em dois ou três golpes o trabalho de anos e anos de trabalho na marca Portugal”, remata Pedro Fontainhas.

2023 “poderá ser mais um ano bom, haja estabilidade”

2023 arrancou com expetativas mais contidas por parte dos operadores de resorts, decorrentes não só da natural estabilização do mercado depois de um ano excecional, mas também da situação da guerra e conjuntura mais instável, sem esquecer subida de cerca de 30% dos custos de construção. Pedro Fontaínhas diz que “isto tem impacto nos preços, no tempo que demora a escoar o produto no mercado, e temos hoje uma pesada carga fiscal tanto na construção como na aquisição de imóveis”. Por outro lado, “estamos a bater recordes nos tempos de emissão de uma licença de construção”.

A estes fatores, somou-se, entretanto, a incerteza gerada pelo anúncio do “Mais Habitação”. Ainda assim, garante que o ano deverá ser positivo para os resorts: “temos um setor saudável, bons fundamentais de mercado, empresários muito determinados e muito bons profissionais, com as melhores práticas a nível mundial. Este é um setor profissionalizado que compete ao mais alto nível a nível mundial, e temos investimento. Haja estabilidade, e o ano poderá ser bom também”, até porque, defende, “temos de ser um bom destino para investimento estrangeiro”.