Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

2022: um ano positivo, mas desafiante

19/01/2022

Uma grande parte das premissas ou fundamentais do mercado imobiliário, como destino de investimento, parecem manter-se e o excesso de liquidez internacional gerado pela Pandemia tenderá a ser dirigido para este mercado. O ano que agora terminou voltou, mesmo contra “ventos e marés”, a registar volumes de investimento significativos e até próximos dos valores pré-pandemia, o que é notável e comprova que o sector imobiliário é resiliente.

Porém, nem tudo “são rosas” e nem por isso o ano de 2022 será um ano menos desafiante. Muitos serão os desafios, velhos e novos.

Desde logo, mantém-se a incerteza gerada pela Pandemia. Primeiro, quanto ao fim da crise sanitária em si. Será que 2022 representará um fim? Será que não o sendo (o que parece), saberemos e saberá a economia sobreviver com um vírus que vai e vem, que contagia de sobremaneira, mas cuja mortalidade ou gravidade diminuem? Segundo, incerteza quanto à resposta e evolução da economia em cenários pós-pandemia. É certo que os confinamentos, pelo menos os mais severos, tenderão a deixar de ser uma realidade, mas ainda assim a dúvida e a inquietude que temos vivido nos últimos anos mantêm-se, incluindo na equação dos investimentos imobiliários.

Outro dos grandes desafios é a dificuldade de fornecimento e o aumento do custo das matérias-primas, que tantos prejuízos tem causado em diversos sectores de atividade. Este é um desafio que claramente não controlamos, dado ser um problema de geopolítica internacional, o que agrava ainda mais a incerteza que acarreta. Os especialistas em macroeconomia e os analistas internacionais têm referido que este problema tenderá a suavizar a médio-longo prazo, mas o que é certo é que no terreno o feedback que temos por parte do mercado imobiliário é que a situação se mantém e agrava. O risco de incumprimento em toda a cadeia de valor da fileira da construção e imobiliário começa a ser latente, bem como o aumento da litigância, coisa que devemos evitar a todo o custo.

Mas também o aumento do custo de construção é um tema que tem preocupado toda a fileira, desde os investidores e promotores imobiliários privados, que têm cada vez mais dificuldade em encaixar estes aumentos nos seus projetos, especialmente aqueles que são destinados à habitação de classe média, às próprias entidades públicas, com responsabilidades na criação de habitação, cuja exponenciação deste custos tem inviabilizado o arranque de projetos de habitação social e perigado a execução do PRR nesta matéria.

Dramática também é a escassez de mão-de-obra na construção, que não só agrava o seu valor, mas que acima de tudo impede os projetos já em curso de manterem um ritmo célere, como impede novos projetos de avançar. Faltam-nos trabalhadores de todos os escalões, incluindo qualificados e a capacidade instalada no nosso País é insuficiente. Estima-se que estão em falta mais de 70 mil trabalhadores no sector da construção. A fileira perde trabalhadores e os que há muito emigraram (desde a crise financeira de 2008) não veem neste País e neste sector um aliciante para voltar, mesmo que isso signifique voltar ao país de origem, à terra natal ou à família. Os baixos salários e as fracas condições que Portugal oferece, quando comparados com outros destinos como França, Alemanha, ou Luxemburgo, ou a perspetiva de um trabalho pesado e cujas profissões não estão ainda dignificadas, não são atrativos aos que partiram para voltar.

Diria, no final, que a dificuldade no fornecimento, o aumento do custo das matérias-primas e da construção, bem como a escassez de mão-de-obra tenderão a agravar-se com a execução dos PRR´s, nacional e estrangeiros. Será um verdadeiro desafio, que deve preocupar os nossos governantes. É que se os PRR´s visam, como o próprio nome indica, trazer recuperação e resiliência às empresas e à economia, corremos o risco de, no que toca a toda esta fileira, trazer precisamente o seu contrário. Isto se pensarmos que a execução das obras previstas no plano português tenderá a prejudicar os tais aumentos e escassez. Há décadas que não havia investimento público na construção e mesmo assim já há uns anos que vínhamos sentindo estes problemas. Ora, se agora juntarmos à construção privada também a construção pública, o resultado está à vista. E o pior será mesmo a execução dos PRR´s estrangeiros, como o francês, o alemão, entre outros. Com melhores condições de trabalho e melhores salários, é fácil perceber para onde irão todos aqueles trabalhadores que ainda ficaram em Portugal, bem como as consequências que esta concorrência vai levar no preço da construção e das matérias-primas a nível europeu.

Não poderia terminar sem referir ainda que a inflação e o tão comentado eventual aumento das taxas de juro, aliado à incerteza do regresso do turismo aos seus “dias de glória”, ou a nova conceção de trabalho vs. teletrabalho e as consequências nos espaços são tudo desafios a considerar.

Mas uma coisa é certa, esta fileira e em especial o sector imobiliário já deram provas no passado de ser um dos primeiros sectores a levantar-se depois de uma crise financeira, de ser o sector mais resiliente numa crise sanitária com repercussões económicas e sociais, pelo que seremos capazes de, mais uma vez, ultrapassar estes desafios.