Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

50 anos para mudar o paradigma da habitação em Portugal?

24/04/2024

Numa semana tão simbólica, é inevitável refletir sobre as transformações no cenário habitacional em Portugal. Antes da Revolução, a habitação era marcada por carências significativas, com grande parte da população a viver em condições precárias, sem acesso a casas dignas, em enorme pobreza energética e a impossibilidade (para a maioria) de adquirir uma casa para morar pautavam os dias. O estado da habitação espelhava as desigualdades sociais e económicas, com muitas famílias a viver em habitações improvisadas, insalubres e sobrelotadas, grande número sem saneamento básico, os chamados à data “bairros de lata”, especialmente nas áreas urbanas. As políticas habitacionais eram limitadas e não conseguiam dar resposta às necessidades da população.  

No período que sucedeu a Revolução uma das principais reivindicações da população portuguesa centrou-se na habitação, pediam casas mais dignas e para todos. Seguiram-se manifestações, ocupações, foram criadas centenas de associações de moradores e de inquilinos, que queriam ver o problema resolvido. Vivia-se um ambiente de forte contestação, mas também é aí, que alguns dos maiores nomes da arquitetura portuguesa da atualidade, desenvolvem no âmbito da criação do SAAL pelo então Secretário de Estado da Habitação, Nuno Portas, alguns dos mais notáveis projetos de habitação acessível existentes no país.

Hoje, em abril de 2024, vemos um panorama totalmente diferente, ainda assim desafiador, os portugueses continuam a viver a crise da habitação e não há casas a preços que possam pagar.

Ora vejamos, de 1974 para 2024, a população nacional cresceu, passámos de 8.611.115, para 10.340.285 habitantes, segundo dados do INE-Censos 2021. Mesmo com este crescimento e com mais pessoas a precisar de casas para morar, a construção não aumentou. Na década passada construímos apenas 3,1% dos edifícios, face a uma taxa de construção de 24,8% na década de 1970. Como podemos querer ter casas para todos e a preços que possam pagar? 

Após décadas de desenvolvimento socioeconómico, houve avanços significativos na habitação. A qualidade média de cada fogo melhorou, hoje não debatemos a necessidade de saneamento básico ou em acabar com bairros de lata, como há 50 anos, mas sim com um problema de acesso à habitação. O aumento do preço das casas, especialmente em áreas metropolitanas, tornou a habitação inacessível a muitas famílias, especialmente para jovens e pessoas com baixos rendimentos.

Diante este cenário, é fundamental implementar medidas eficazes para enfrentar os desafios habitacionais do país. Entre algumas medidas que a APPII tem apresentado, destaco o conceito Build to Rent, onde investidores constroem propriedades destinadas a arrendamento de longo prazo. Este modelo pode aumentar a oferta a preços mais acessíveis, proporcionando maior segurança e estabilidade para os inquilinos. Só a redução dos impostos sobre o património e o incentivo ao investimento em habitação acessível podem ajudar a equilibrar o mercado e a tornar a habitação mais acessível para todos. É também essencial aliviar a carga fiscal na habitação, tornando mais viável tanto a construção como a aquisição de imóveis.

Passadas cinco décadas continuamos com o problema da habitação por resolver, este que passou a ser um direito de todos os portugueses em 1976, pela sua inscrição na Constituição da República Portuguesa. A realidade de hoje é bem diferente, assim como os desafios! Há então que perguntar não sobre o que foi feito nestes cinquenta anos - o resultado é evidente - mas sim, o que podemos fazer nos próximos cinquenta anos pela habitação em Portugal?