Francisco Campilho
Francisco Campilho
Presidente da Comissão Executiva da VICTORIA Seguros

A acessibilidade

16/06/2021

Nos anos 40 do século passado, o meu pai andava de bicicleta na parte central, que na altura era um terreiro, da avenida da República em Lisboa. Com a crescente disponibilização de automóveis, os passeios da avenida foram-se reduzindo para melhorar o tráfico e a acessibilidade ao centro da cidade, onde se localizava o comércio e o setor terciário. A pressão foi-se tornando maior uma vez que os transportes públicos apenas serviam bem o centro, não conseguindo garantir ligações eficazes para quem vinha de fora da cidade, onde cada vez mais pessoas moravam.

Foi nesta altura, nos anos 80, que a Av. da República se transformou numa verdadeira autoestrada, com túneis, passeios reduzidos, permitindo o escoamento de trânsito das várias faixas de rodagem reservadas aos automóveis. Como se sabe, o problema de acessibilidade não ficou resolvido deste modo. Pelo contrário, o congestionamento das artérias da cidade acabou por contribuir para o abandono do centro da cidade.

Mais recentemente, a circulação de automóveis tornou-se ainda mais difícil devido a necessidade de controlo dos níveis de poluição que acompanhou a revolução verde em curso, o turismo e o regresso dos moradores ao centro. É agora fácil respeitar a velocidade máxima de circulação de 30 km/h, porque a redução de faixas de rodagem e os semáforos mantêm filas de carros durante quase todo o dia. No entanto, os moradores e o comércio recuperaram espaço de passeios e de esplanadas, melhorando substancialmente a qualidade de vida da cidade. O estacionamento, apesar de mais facilitado, está cada vez mais caro e com limites temporais apertados. E os meus filhos já podem fazer o que eu não pude fazer: andar de bicicleta na Av. da República.

O próximo passo de que se fala é o da criação de zonas pedonais. É uma tendência gradual presente em muitas cidades europeias. Numa recente visita a Lisboa, os meus colegas de Paris partilharam os planos de tornar os mais centrais arrondissements da cidade em zonas pedonais.

Em Lisboa, já se fala de uma zona sem carros a partir dos Restauradores. As cidades tornam-se sem dúvida mais atraentes, vividas e sustentáveis, mas haverá certamente novos impactos na acessibilidade aos centros. As zonas pedonais vêm trazer novos desafios e a necessidade de encontrar soluções para diminuir o impacto no comércio, nos escritórios, mas também na componente habitacional. O centro não pode regredir tornando-se numa cidade de recreio e no limite num parque temático para turistas e visitantes ocasionais. Transportes públicos de qualidade e com boas ligações intermodais, para além de outras medidas de acessibilidade poderão evitar que a desertificação, que tão dificilmente se conseguiu reverter, não regresse ao centro da cidade. A acessibilidade continua a ser um dos critérios fundamentais para definir uma boa localização.