Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

Arrefecimento é diferente de quebra

06/10/2022

É natural e estranho seria se, com a situação geopolítica mundial, o sector imobiliário não se ressentisse. Vivemos tempos instáveis; uma guerra de repercussões enormes e sem fim à vista, efeitos económicos de um cenário pós-pandémico grave, uma inflação acentuada, o aumento das taxas de juros, a consequente diminuição do poder de compra das famílias e por isso a menor retenção da sua poupança, as enormes dificuldades nos abastecimentos, o galopante aumento dos materiais, da matéria-prima, da mão-de-obra e da construção.

Porém, o ano de 2022 prevê-se ser um ano positivo para o sector.

Os números que vão sendo conhecidos, como os do sector comercial, são um bom indicador, esperando-se que venha, com a ajuda da logística, escritórios e hotelaria, a atingir em 2022 cerca de € 2,7 mil milhões, face aos valores globais de investimento do ano anterior (€ 2,2 mil milhões). Na verdade, em Agosto passado e segundo dados publicados recentemente pela Cushman & Wakefield, já se tinham concretizado € 1,2 mil milhões de investimento, esperando-se concretizar até ao final do ano mais € 1,5 mil milhões.

Também o sector residencial, apesar de apresentar maiores dificuldades é certo, demonstra um bom desempenho, prevendo-se chegar a Dezembro com valores de investimento globais interessantes, os quais se não atingirem o valor do ano anterior (quase € 32 mil milhões), andará lá muito perto. Relembremo-nos que, mesmo em 2021 (ano ainda pandémico), o sector residencial conseguiu atingir valores de investimento globais superiores em 18% year-on-year e em 12% face a 2019, ano pré-pandemia e o melhor ano de sempre da última década. Também em 2021 se conseguiu superar, para quase 200 mil casas vendidas, o volume atingido em 2019, tudo sinal da resiliência e da capacidade de superação deste sector.

Sem dúvida que 2023 será um ano ainda mais desafiante, com a inflação e o expectável aumento das taxas de juro a tornar o rendimento disponível das famílias ainda mais diminuto e com o aumento da incerteza no contexto geopolítico mundial.

Para os promotores imobiliários acresce a incerteza de qual o “teto” dos preços da construção, da mão-de-obra (que cada vez escasseia mais) e da matéria-prima: saber qual o preço e o seu custo de financiamento vão ser chave em 2023. Podemos naturalmente antever para o futuro próximo, em especial na promoção imobiliária residencial e em particular para targets mais acessíveis, um certo arrefecimento do mercado, um certo standby, ou efeito suspensivo no investimento, esperando por períodos de mais clareza.

Uma certeza: arrefecimento ou abrandamento não são sinónimos de quebra, nem tão pouco de colapso nos preços. E porquê? Mesmo com uma diminuição normal e esperada do lado da procura (com especial foco na procura de casas acessíveis – classe média e classes mais baixas – e em particular dos portugueses,) a verdade é que, mesmo assim, não vamos atingir o “prato da balança” da oferta. Isto é, a falta de oferta de casas não será suficiente para face fazer à enorme falta de procura (más noticias para os arautos da desgraça, que anseiam uma bolha imobiliária).

Nos segmentos mais altos do mercado residencial, o efeito da diminuição do lado da procura não será praticamente sentido, pois Portugal soube posicionar-se como um destino preferencial para o turismo ou para o investidor imobiliário a uma escala mundial. A quantidade de investidores, residentes não habituais, golden visas, turistas, que querem passar parte do seu ano aqui e que chegam todos os dias a Portugal, é imensa. Se os franceses, os brasileiros e os chineses já nos tinham descoberto como um dos “melhores países do mundo”, agora é a vez dos americanos e também dos espanhóis, que fogem a “sete pés” de um novo imposto sobre as grandes fortunas.

Este é o retrato de um Portugal que não desejamos, como refiro em muitas ocasiões. Temos de fazer casas acessíveis para os portugueses e a culpa não é só de todos os custos de contexto, retratados acima, a principal causa é a bruta carga fiscal incidente sobe os projetos imobiliários: os 50% de impostos que os portugueses pagam na compra de casa, o malfadado AIMI, a burocracia e os licenciamentos inenarráveis que inviabilizam assim cada vez mais a produção de casas baratas e que, mais uma vez, não deixam outra alternativa aos promotores imobiliários de se voltarem a virar para quem tem poder de compra.

Também do lado do segmento comercial, 2023 apresenta boas perspetivas; o investimento calendarizado, a liquidez disponível no mundo e o desejo do sistema financeiro investir no imobiliário continua a ser enorme. Felizmente, o nosso mercado imobiliário nacional continua a estar na mira dos investidores a uma escala mundial.

Portanto, estamos preparados e atentos aos crescentes desafios para 2023 e para um ligeiro arrefecimento da procura para quem esteja mais dependentes de financiamento bancário, mas vejo um sector imobiliário nacional muito tranquilo e sereno e, acima de tudo, com muita vontade de vencer novos desafios.