Carlos Suaréz
Carlos Suaréz
Administrador da VICTORIA Seguros

Bons exemplos e o Simplex. Assim começa o ano.

31/01/2024

Nesse âmbito, num pequeno-almoço organizado pela Vida Imobiliária – com um formato inédito para mim – auscultaram-se as tendências e perspetivas do setor imobiliário para 2024, tanto na ótica da academia como na do mercado. 

Numa vertente generalista, trataram-se temas como o previsível comportamento das taxas de juro, a falta de compreensão da inflação dos últimos anos, a eventual desaceleração económica nacional – por via da quebra nas encomendas, tornando o tecido produtivo ainda mais alavancado no setor turismo – ou, no sentido contrário, a sua resiliência adaptativa, e a conjuntura geopolítica – as eleições nos EUA, os conflitos bélicos e o preocupante desempenho da primeira economia europeia, com dificuldades estruturais e de endividamento. Na vertente específica do imobiliário, comentaram-se assuntos como a morfologia do mercado transacional, o desenvolvimento comparado das geografias ibéricas (entre elas e versus Europa), o potencial continuado de Portugal como destino de investimento – tanto pela via dos veículos tradicionalmente presentes, como das mais recentes entradas internacionais – a ausência de estruturas de arrendamento, a necessidade de estabelecer a sustentabilidade como uma prioridade de ação estratégica, e claro, o impacto a curto e médio prazo do “Simplex urbanístico”.

E é neste último ponto que gostaria de aproximar a distância focal da minha lente. O Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, – em vigor a 4 de março de 2024, salvo dez exceções – tenciona reformar e simplificar os licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria. À partida, dir-se-ia que são boas notícias para o setor da construção e o imobiliário, que tem mantido uma posição fortemente reivindicativa quanto à necessidade de eliminar licenças e autorizações, taxas e taxinhas, nessa matéria. Não obstante, a implementação preconizada para atingir o almejado objetivo levantou questões de fundo na sessão, quer do lado da administração pública – as câmaras municipais irão precisar dum tempo para perceber as implicações da mudança e incorporá-las na rotina administrativa, o que poderá provocar um abrandamento no processo de licenciamento, quer do flanco dos operadores financeiros – a banca ainda não percebe como se poderá disponibilizar financiamento para o setor com a eliminação dalgumas licenças (construção ou utilização, p.e.), substituídas pelo recibo de pagamentos das taxas legalmente devidas – quer, ainda, do lado dos promotores – algumas responsabilidades parecem ficar em cima do dono de obra e os técnicos por ele selecionados.

Aumentando o zoom, constatamos que o DL clarifica “os poderes de cognição dos municípios no exercício do controlo prévio urbanístico, em especial relativamente à emissão de licenças”, não sendo da sua competência “apreciar questões relativas ao interior dos edifícios ou às especialidades… uma vez que os mesmos são elaborados com base em declarações de cumprimento das normas legais aplicáveis por técnicos competentes”. Por outra parte, a alteração ao regime jurídico da urbanização e da edificação implica, desde o dia 01.01.2024 e em relação à isenção do controlo prévio administrativo, que “quando estejam em causa obras interiores que afetem a estrutura de estabilidade… o técnico habilitado declare, através de termo de responsabilidade, que a mesma é de considerar aceitável face à situação em que o imóvel se encontrava antes da obra realizada”. Finalmente, a comunicação prévia para utilização de edifícios sem operação urbanística prévia deve incluir um termo de responsabilidade, subscrito pelo autor de projeto, que declare a conformidade da utilização e a idoneidade do edifício para o fim pretendido.

Visto o anterior, poder-se-ia dizer que algumas medidas do Simplex urbanístico implicam um particular transvasamento de responsabilidades públicas para a esfera privada (atenção aos seguros de responsabilidade civil e profissional), seja no que concerne aos técnicos, seja no respeitante ao promotor que o contrata. 

E fiquei sem espaço… Mais uma vez, a Vida Imobiliária está de parabéns pela organização de um interessantíssimo evento que valeu muito a pena. Obrigado pela oportunidade de fazer parte dele e venham muitos assim!