Trata-se de uma realidade que, longe de ser a ideal, era expectável. Em Portugal, continua a faltar uma compreensão plena de que anunciar projetos ambiciosos na área da habitação exige muito mais do que vontade política, financiamento ou processos administrativos bem desenhados. É imprescindível assegurar, à partida, que existem condições reais para edificar.
As casas não se constroem com boas intenções. Constroem-se com mão de obra, com materiais, com logística, com planeamento e constroem-se com a capacidade que está instalada no setor. Quando observamos que entre 2015 e 2021 se construíram, em média, 12.000 casas por ano e que em 2023 esse número – mesmo já com algum reforço do setor – ficou abaixo das 25.000, percebemos de imediato que metas como a das 26.000 habitações num curto espaço de tempo dificilmente seriam alcançáveis. Principalmente, por se tratar se um incremento ao que vem sendo realizado.
Não se trata de pessimismo, trata-se de realismo. Os recursos construtivos que existem no nosso país não estão de braços cruzados há espera de serem chamados. Estão a dar resposta a múltiplos projetos públicos e privados. Sem um reforço claro e sustentado da nossa capacidade construtiva, dificilmente será possível atingir patamares significativamente diferentes.
É precisamente neste ponto que os sinais do Estado ao setor são determinantes. As empresas da construção só se sentem motivadas a investir e a crescer se perceberem que há consistência nas políticas de investimento público e, portanto, estabilidade na procura. Sem um pipeline claro de obras públicas, sem previsibilidade no lançamento de concursos, sem incentivos à industrialização e à modernização de processos, teremos metas cada vez mais distantes. O aumento do investimento público na construção, seja em habitação, seja nos restantes domínios da construção, será indispensável para termos a nossa capacidade construtiva aumentada.
Reconheça-se, com justiça, que têm sido dados passos positivos nesse sentido. O recente protocolo estabelecido entre o Governo e a CPCI (Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário) é um exemplo disso mesmo. O caminho passa, sem dúvida, por uma cooperação mais ativa entre o Estado e o setor privado e por medidas concretas que respondam aos desafios estruturais.
Um deles – provavelmente o maior – é a escassez de mão de obra. Sem trabalhadores qualificados, sem técnicos, sem operários, não há como acelerar a construção. É por isso fundamental que se olhe com seriedade para esta questão. Edificar mais com menos mão de obra, com maior rapidez, tem de ser uma prioridade nacional.
A revisão da meta para a entrega das habitações pode até ser um revés, mas pode também ser uma oportunidade. Uma oportunidade para repensar como se planeia, como se comunica e, sobretudo, como se executa. O país precisa de casas, mas precisa sobretudo de capacidade para as construir. Sem essa base, continuaremos a correr atrás de metas que se tornam, previsivelmente, inalcançáveis.