Paulo Caiado
Paulo Caiado
Presidente da Direção Nacional da APEMIP

A confiança não se decreta. Conquista-se.

19/04/2023

Surpreendidos porque, na verdade, as propostas de resolução para os vários problemas da habitação sucedem-se, mas sem vermos nelas grande aplicação prática, quando esmiuçadas torna-se difícil perceber o seu alcance quantitativo, além deste nunca ter sido referido. De forma geral, têm-se revelado pouco exequíveis e, principalmente, com um impacto negativo na confiança dos decisores, dos investidores e da população. E sem confiança, acreditamos que não será possível progredir, já que a confiança tem uma série de pressupostos agregados, entre eles a regularidade, a estabilidade e a constância, que asseguram um determinado resultado decorrente de uma determinada ação ou decisão recorrentes. E uma das coisas que claramente não tem acontecido no imobiliário é este contributo fundamental de um cenário de previsibilidade, que possa transmitir a confiança necessária num momento de tamanha incerteza.

Vejamos o caso dos vistos Gold, que deixou de se aplicar com efeitos retroativos a 16 de fevereiro e que, no início desta semana, mereceu (felizmente) ainda mais uma alteração que permite que os novos pedidos apresentados até à entrada em vigor da nova lei sejam aceites, ao contrário do que se assumia na primeira versão do programa Mais Habitação. Neste caso, o Governo deu mais um passo atrás.

Já no caso do arrendamento coercivo, esteve em grande debate o risco de se atentar à propriedade privada, estava em causa as muitas casas que não estando ocupadas, não estavam alocadas ao mercado de arrendamento, mas pouco tempo depois, essa apropriação coerciva, afinal, já estava prevista na lei. Alguns dias depois, o Governo anuncia que afinal serão as Câmaras Municipais a exercer esse papel, numa lei que afinal só será aplicável a imóveis em zonas de alta densidade populacional, também não deverá abranger todos os tipos de imóveis residenciais. Afinal, apenas os apartamentos e que tenham sido sinalizados há pelo menos dois anos como devolutos.

Mereceu a pena o ruído autoinfligido?

Podemos até fazer um paralelismo com o que acontece numa relação entre duas pessoas, quando discutem e uma delas tem uma reação impensável. Seguidamente fazem as pazes, mas será necessário algum tempo para conquistar a confiança que aquela reação impensável abalou, uma vez que subsiste a dúvida sobre para quando a próxima…

Muitos danos foram feitos, e cremos que será difícil calcular para já os efeitos causados por tamanha inconstância nesta matéria. A retração dos investidores foi um dos primeiros exemplos e esse é, desde já, um preço demasiado alto a pagar. Todos os anos o imobiliário é alvo de alterações de teor fiscal e regulamentar, que não são resultado de um processo contínuo e evolutivo, mas sim de reações por vezes surpreendentes talvez bem intencionadas, mas sem contributo para a estabilidade e previsibilidade necessárias para gerar confiança e robustez ao setor que representa 25% do PIB Nacional.

Importa trabalhar cada dia para reconquistar a confiança dos que estão cá e queremos que cá fiquem, dos que estão fora e seriam muito bem vindos por cá.

Entretanto será necessário não esquecer que é urgente incrementar a oferta de imóveis para que o mais rapidamente possível todos possam encontrar uma solução habitacional compatível com os seus rendimentos e que também estes (os rendimentos) devem melhorar. É tempo de conquistar confiança.