Mas permanece muitas vezes refém de simplificações que, por vezes, em vez de esclarecer, tendem a obscurecer a realidade.
A realidade, tal como a sociedade portuguesa, não é homogénea. Talvez tenha chegado a hora de deixarmos de falar de uma crise de habitação como se fosse uma crise transversal a toda a população. E talvez tenha chegado a hora de começarmos a identificar os segmentos concretos onde verdadeiramente existe esta crise.
É claro que o nosso país vive hoje um enorme desafio no acesso à habitação – e é igualmente óbvio que esse desafio se concentra sobretudo nas franjas de mercado de menor valor, onde, nos últimos sete anos, a pressão demográfica e a ausência de resposta adequada do lado da oferta se fizeram sentir de uma forma mais vincada.
Nos últimos oito anos a população residente em Portugal foi incrementada em cerca de um milhão de indivíduos nesse período. Um crescimento expressivo, que deve ser compreendido à luz das dinâmicas migratórias. E é aqui que devemos, com frontalidade, esclarecer um ponto essencial.
O nosso desenvolvimento económico, o nosso crescimento e o nível de proteção social que conseguimos construir ao longo de décadas só serão sustentáveis com mais contribuintes. Não sendo esse incremento de cidadãos contribuintes possível por via do crescimento demográfico interno, só poderá ser assegurado com a vinda de imigrantes, que são absolutamente indispensáveis ao nosso futuro coletivo. São fundamentais para o desenvolvimento da vida de todos os portugueses e não podem, de modo algum, ser marginalizados ou perseguidos. E, logicamente, ninguém deve recear falar abertamente sobre esta realidade, nomeadamente que num País da nossa dimensão obviamente um milhão de indivíduos teria de criar enorme pressão na procura por habitações de baixo valor.
Outro equívoco recorrente no debate público diz respeito à enorme “fraude” comunicacional, que responsabilizou os chamados “vistos gold” pelos preços das casas. Em dez anos, realizaram-se 12 mil transações ao abrigo deste regime. Ora, nesse mesmo período, transacionaram-se mais de 1 milhão e 600 mil casas. Atribuir aos vistos gold a responsabilidade pelo incremento generalizado dos preços não resiste à mais elementar análise de escala talvez melhor explicável com peças de lego. Neste momento, em Portugal qualquer cidadão com 700 mil euros ou mais (o que não corresponde de modo algum à generalidade da população Portuguesa) disponíveis, não terá qualquer dificuldade em encontrar uma casa em qualquer lugar do país.
A oferta neste segmento é significativa. O que não existe, e o que está na base da dificuldade de acesso, são soluções habitacionais de baixo valor. Porque, logicamente, foram absorvidas e por motivos muito bem identificados, e não tem ocorrido qualquer correspondência de oferta nesses segmentos de valor.
O verdadeiro desafio nacional passa por criar um novo segmento habitacional: com preços controlados, acessível e sustentável, que permita uma redução dos preços médios sem comprometer o desenvolvimento económico do setor imobiliário. Um segmento que vem reforçar a coesão social, que fixe talento, que acolha quem nos escolhe para viver e que seja construído com racionalidade económica e urbanística. Com uma visão estratégica e sentido de urgência.
Portugal precisa de habitação. Mas, mais do que isso, precisa de soluções eficazes, realistas e proporcionadas ao contexto de forma a garantir o nosso crescimento, o nosso desenvolvimento, a sustentabilidade e, acima de tudo, o bem-estar coletivo. De todos os que cá vivem.