Paulo Caiado
Paulo Caiado
Presidente da Direção Nacional da APEMIP

Contra factos não há argumentos?

26/04/2023

Esta semana foi conhecido, através dos media, o relatório pedido pelo Governo sobre os Vistos Gold. E as conclusões são surpreendentes. Surpreendentes porque são facilmente enquadráveis num novo tipo de categoria de notícias relacionadas com a desinformação, que começamos a ouvir falar nos últimos anos. Gostaria de abordar 3 das principais conclusões.

Segundo este relatório, durante os 11 anos do programa, foram criados “apenas” 280 postos de trabalho, tendo sido atribuídas 11.628 autorizações de residência que se traduziram em €6.800 milhões de investimento em Portugal.

Para termos uma ideia dos milhares de postos de trabalho criados, no âmbito dos Vistos Gold, para edificar mais de 11.628 casas a troco de €6.800 milhões, seria interessante percebermos que, em 2022, a maior empresa de construção a operar em Portugal fez obras no valor de 526 milhões, 100 milhões menos que o volume de imóveis transacionados em 2022 associados a vistos de residência.

Estes postos de trabalho (seria muito relevante sabermos exatamente quantos) são os que tiveram de intervir diretamente para tornar reais as 11.628 casas. Seria interessante conhecer os postos de trabalho criados posteriormente por alguns desses cidadãos que recorreram aos Vistos Gold. Muitos destes investidores, de facto, estabeleceram as suas vidas em Portugal, criaram postos de trabalho e têm dado grande contributo ao nosso desenvolvimento económico. Será assim tão difícil quantificar e mostrar.

O relatório sublinha “os riscos de branqueamento de capitais, corrupção, evasão fiscal, desequilíbrios macroeconómicos e desestabilização dos mercados imobiliários que estes programas presumivelmente acarretam”. Ora, isto significa que passamos a presumir que todos os movimentos financeiros com significado acarretam risco de corrupção? Passamos a encarar estes fluxos como arriscados e, além disso, diminuímos o papel fiscalizador que deve existir por parte das entidades fiscalizadoras deste programa (e que são várias)? Claro que defendemos que é necessário o maior escrutínio possível ao perfil dos candidatos aos referidos vistos e à origem dos seus capitais, mas estamos a assumir que não foi isso que aconteceu?

Por fim, também não nos revemos nas conclusões relativas ao mercado. Não concordamos que este mecanismo seja responsável pela subida dos preços.

Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria analisar os dados de mercado das AM de Lisboa e Porto em 2022, onde não havendo Vistos Gold, assistimos à subida generalizada de preços.

É um facto que, em determinadas zonas, os Vistos Gold podem ter exercido algum tipo de pressão, mas falamos de uma pressão muito localizada e nos imóveis com valor acima de 500 mil euros. E o “contágio”, quando efetivamente existe, ocorre na oferta, mas não na capacidade aquisitiva (infelizmente). Ou seja, pode ter influência em alguns segmentos, mas não dota os portugueses de maior capacidade financeira.

O nosso foco de preocupação não devem ser os imóveis com estes valores, uma vez que a generalidade dos portugueses não consegue aceder a eles. E, devemos sobretudo ter em mente o impacto negativo que o fim dos Vistos Gold pode ter na economia em termos gerais. Em 11 anos, trouxeram cerca de 7 mil milhões de euros para a economia portuguesa. É claro que um volume financeiro desta dimensão só é possível com a intervenção de muitos milhares de postos de trabalho e um país com as nossas carências de investimento não pode dar-se ao luxo de anualmente prescindir de 600 a 700 milhões de euros e que contribuem para um nicho de construção e promoção de luxo gerador de emprego e de mais-valias várias para a economia. E, sendo os factos conhecidos, vamos assumi-los com exatidão.