O início deste mês trouxe uma boa notícia para muitas famílias portuguesas: as prestações do crédito à habitação começam, finalmente, a baixar. A redução das taxas Euribor está a refletir-se nas revisões contratuais e, num cenário ainda marcado pela instabilidade económica, este alívio representa, para muitas famílias, um verdadeiro balão de oxigénio.
De acordo com dados da DECO Proteste, esta descida pode traduzir-se numa poupança até 133 euros mensais num crédito de 150.000 euros a 30 anos, com um spread de 1% e Euribor a 12 meses. No caso da Euribor a seis meses, a poupança ronda os 66 euros. São valores significativos, sobretudo para quem viu, nos últimos anos, os seus encargos fixos subirem de forma abrupta, sem que o rendimento acompanhasse esse crescimento.
Mas este “alívio” não pode esconder o essencial: continuamos a depender quase exclusivamente do crédito para garantir o acesso à habitação. E isso tem custos, económicos e sociais. O ciclo é conhecido: juros sobem, a procura esfria; juros descem, a procura reacende-se. O problema é que esta dinâmica está assente num modelo estruturalmente frágil, onde o acesso à casa depende, em larga escala, da evolução dos mercados financeiros.
Esta realidade afeta sobretudo os mais jovens e as famílias com menores rendimentos, que não conseguem acompanhar as variações do mercado nem têm alternativas viáveis. A habitação, que deveria ser tratada como um bem essencial, continua a ser vista como um ativo financeiro, promovendo exclusão em vez de integração.
Neste contexto, é fundamental que o Estado assuma um papel mais ativo e coerente na definição e execução de uma política de habitação sustentável. Isso implica, desde logo, olhar para o parque habitacional público, muitas vezes degradado, vazio ou simplesmente subutilizado; como uma peça central na resposta às necessidades habitacionais das populações. Este património pertence a todos e deve estar ao serviço do bem comum.
As soluções existem e estão identificadas: incentivos fiscais para quem coloca imóveis no mercado de arrendamento acessível, programas de reabilitação urbana com critérios sociais claros, e parcerias público-privadas que envolvam autarquias, empresas e sociedade civil. O conceito de Build to Rent, construção de habitação destinada exclusivamente ao arrendamento com rendas controladas, é um exemplo de medida que, em países como Espanha, já está a ser implementada com resultados concretos. Em Portugal, continua a ser uma ideia que não saiu do papel.
A descida das taxas de juro é, sem dúvida, uma boa notícia. Mas não é uma solução estrutural. Enquanto continuarmos a depender das flutuações do mercado para garantir algo tão básico como o direito à habitação, estaremos sempre à mercê da instabilidade. O que se exige agora é vontade política: políticas públicas consistentes, de longo prazo, que coloquem as pessoas no centro da decisão.
Porque habitação digna não pode ser um privilégio. Tem de ser um direito.