Paulo Caiado
Paulo Caiado
Presidente da Direção Nacional da APEMIP

Direito à Habitação e Rede de Transportes

26/10/2022

“Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” – diz o Artigo 65º da nossa Constituição. Para logo acrescentar no n.º 2 do mesmo artigo: “Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social”.

Os legisladores da nossa “magna-carta” estavam bem conscientes da relação biunívoca e de interdependência entre uma e outra destas realidades: habitação e transporte.

Podemos, sem dúvida, afirmar que para garantir o direito à habitação, haverá antes que salvaguardar uma adequada e eficaz rede de transportes. A solução, antes do imobiliário, está na mobilidade!

Todos os que trabalhamos no setor sabemos que há uma relação direta entre o raio de distância das principais urbes e o preço de venda ou arrendamento das habitações. À medida que nos afastamos de Lisboa baixam os preços, mas logo que nos aproximamos de Santarém os preços voltam a subir. O mesmo se passa entre Santarém e Leiria, Coimbra e Aveiro; e por aí fora… É como que um «novelo» mais concentrado na faixa litoral e menos condensado no interior.

E uma coisa temos que afirmar a alto e bom som: “Em Portugal não há uma rede adequada e eficaz de transportes…”. Uma rede eficaz assenta necessariamente na via ferroviária entre os principais centros urbanos, não na rodovia…”. Um exemplo: há anos que se fala na renovação da Linha do Oeste entre Lisboa e a Figueira da Foz, uma via fundamental para proporcionar novas e interessantes soluções habitacionais para muita população que não só a da Área Metropolitana de Lisboa. Acontece que as obras têm arrancado aos «bochechos», quando não param por esta ou aquela razão inusitada ou absurda. Outros exemplos poderiam ser apontados… Há falta de vontade política, de financiamento e de coordenação.

Não há descentralização por decreto, há por vontade das pessoas e quando ela responde ao sentir e às necessidades das populações. Estamos num tempo em que o próprio mercado aponta nesse sentido. O teletrabalho, a semana de 4 dias de que agora se começa a falar mais seriamente, o trabalho à distância com a ida presencial ao escritório em dias alternados da semana, todos esses panoramas do mercado das relações laborais apontam para novos e diferentes modos de viver, com redução de custos de transporte e ambientais incomensuráveis.

O desenvolvimento familiar sustentável, capaz de conciliar preço da habitação, espaço, alimentação, exercício físico, proximidade com a natureza, encontra-se pelo menos nas suas “versões” mais baratas, afastado dos centros urbanos.

Ajudar as pessoas nesta tão significativa tarefa para as suas vidas, passa por os nossos Governantes entenderem que um dos importantes contributos que podem dar aos desafios habitacionais passa por melhorar com significado a nossa rede de transportes interurbanos.

Com 200 mil euros, o que podemos comprar nos arredores de Lisboa e do Porto ou de Braga? Porventura, um T3 de áreas reduzidas, inserido num bairro de subúrbio populoso e densificado. Mas com esse mesmo dinheiro podemos comprar uma boa habitação a maior distância dessas zonas urbanas, seguramente com quintal ou jardim, onde podemos ter o cão e o gato, melhor e mais saudável qualidade de vida e uma relação mais próxima e amistosa com a Natureza.

Claro que é igualmente importante que o Estado e Autarquias, através da implementação de diversos programas consigam assegurar mais habitação acessível para quem tem de trabalhar num centro urbano e não tem como se afastar à procura da tal solução mais barata e “amiga” de uma vida mais “saudável”.