Francisco Campilho
Francisco Campilho
Presidente da Comissão Executiva da VICTORIA Seguros

À distância de um quarto de hora?

10/11/2021

A necessidade de responder à crise climática alia-se à experiência dos últimos dois anos em que tivemos longos períodos de confinamento. Com efeito, assiste-se a um corte com paradigmas anteriores na forma como vivemos, trabalhamos, nos divertimos e gostaríamos que as nossas cidades fossem organizadas.

Estamos numa fase de viragem que poderá, pela amplitude de mudanças, marcar o verdadeiro começo do século XXI, da mesma forma que a guerra de 14-18 (e a pandemia da gripe espanhola que se seguiu) marcaram o começo do século XX.

Estes temas foram abordados de uma forma muito interessante num seminário promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa (CCILF), que deu origem posteriormente à publicação de um dossier no número de maio/junho da revista Aspectos. Entre as diferentes abordagens sobre a nova visão urbana, da green city à tech city e à smart city, chamou-me especial atenção o conceito da cidade do quarto de hora. Trata-se de um conceito nascido em 2015, que é apresentado na revista pelo Prof Carlos Moreno da Sorbonne. O objetivo é o reduzir as emissões de CO2 encontrando soluções menos poluentes para a organização do tecido urbano. O ponto de partida desta abordagem é a proximidade e não tanto a mobilidade. É deste ponto de partida de que tudo se encontra à distância de um quarto de hora que se favorece por exemplo a utilização de uma bicicleta em detrimento de um automóvel. As cidades são as grandes emissoras de CO2 e dentro das cidades, os transportes são os que têm maior impacto ambiental. O objetivo é assim o de conseguir viver, trabalhar, abastecer-se, educar, … sem a necessidade de percorrer grandes distâncias. É um novo modo de vida urbana que rompe com a fragmentação e segmentação das cidades em centro financeiro, polo industrial, zona de comércio, área residencial, …

Este conceito é obviamente mais facilmente aplicável a cidades que estão agora a ser delineadas. É o caso da smart city mais icónica, a Neom na Arábia Saudita, em que toda a vida será digital e automática: uma cidade com zero carros, zero estradas e zero carbono. Mas é também uma cidade onde tudo será controlado e vigiado. É um projeto experimental, mas que tenta encontrar a melhor organização para um tecido urbano sustentável.

Mas poderá este conceito de proximidade ser aplicado às atuais cidades?

Penso que na organização tradicional por bairros, as nossas cidades têm na sua origem essa ideia de proximidade, de ter “à distância de um quarto de hora”, escolas, comércio, lazer, serviços. E o teletrabalho, nomeadamente no setor terciário, poderá permitir a aproximação do vetor profissional à equação do quarto de hora. No entanto, será também necessário desenhar políticas de dinamização do comércio local e dos serviços de proximidade que permitam tornar possível este novo ordenamento do tecido urbano.