Patrícia Barão
Patrícia Barão
vice-presidente da APEMIP

Entre o caos do acesso à habitação e a urgência de soluções reais

26/03/2025

O valor das rendas disparou, a oferta de habitação acessível encolheu e milhares de pessoas vivem sem possibilidades de comprar ou arrendar uma casa. O problema deixou de ser exclusivo de determinados grupos sociais e tornou-se uma ferida aberta que atinge cada vez mais famílias, jovens e até profissionais qualificados. Mas, enquanto o país se debate com este colapso habitacional, há uma outra realidade cada vez mais visível: a dos imigrantes que chegam sem condições e acabam empilhados em apartamentos sobrelotados, onde dezenas de pessoas dividem um espaço pensado para três ou quatro.

O cenário é de um paradoxo cruel. De um lado, milhares de casas vazias, edifícios devolutos e património público ao abandono. Do outro, famílias inteiras sem um teto, jovens sem perspetivas de emancipação e trabalhadores estrangeiros que, na ilusão de uma vida melhor, são explorados e obrigados a viver em condições indignas, muitas vezes sem contrato e sem direitos. Em Lisboa e no Porto, apartamentos minúsculos são transformados em dormitórios clandestinos, onde cada centímetro quadrado se torna um espaço arrendado a preço de ouro. A habitação, que deveria ser um direito, transformou-se num luxo inacessível.

A crise de acesso à habitação já não é apenas um problema estatístico, é um drama humano visível a quem circula nas grandes cidades. As barracas e os bairros informais estão de volta, num regresso sombrio a um passado que o país acreditava ter deixado para trás.

A solução não está em medidas paliativas ou planos emergenciais que apenas remendam o problema sem atacá-lo na raiz. É preciso ações estruturais, é preciso decisões políticas sustentadas e corajosas. Há um património imobiliário público que permanece vazio enquanto milhares de cidadãos estão cansados de procurar alternativas. O Estado e os municípios precisam de um compromisso sério para requalificar estes imóveis e colocá-los ao serviço da população. Políticas de incentivos fiscais e parcerias público-privadas são ferramentas eficazes, temos o exemplo da nossa vizinha Espanha, é possível desde que haja vontade política. 

Além disso, o Build to Rent, construção de habitação acessível exclusivamente para arrendamento a preços controlados, não pode ser apenas um conceito teórico. Precisa de sair do papel e materializar-se em edifícios reais, com contratos estáveis e rendas justas, aliviando a pressão sobre os centros urbanos e oferecendo dignidade a milhares de pessoas.

Outra estratégia que já demonstrou resultados noutros países é a partilha de habitação entre seniores e estudantes universitários. Esta solução poderia ser amplamente incentivada, beneficiando a população com mais idade, que encontram companhia e um rendimento extra, enquanto os jovens teriam a oportunidade de viver em casas onde pudessem pagar uma renda.

É urgente enfrentar o problema dos alojamentos ilegais e sobrelotados que exploram imigrantes em situação vulnerável. A fiscalização tem de ser mais eficaz e as autarquias precisam de garantir alternativas dignas para quem chega ao país à procura de uma vida melhor. O crescimento económico de Portugal não pode ser feito à custa da precariedade e da desumanização.

Cada dia que passa sem soluções concretas é mais um dia em que o futuro se torna mais incerto para milhares de pessoas. O acesso à habitação não pode ser um privilégio. Ser notícia nos telejornais não basta, é preciso haver vontade política para mudar e agir com medidas reais.