Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

O fim dos Vistos Gold e a credibilidade de Portugal

12/04/2023

Está nomeadamente em causa a forma como o Governo propôs o fim do programa, tendo sido já levantadas as maiores dúvidas, por vários quadrantes da economia e da sociedade civil portuguesa, quanto à inconstitucionalidade, ilegalidade e violação de algumas das mais elementares regras de Estado de Direito, especialmente quanto à pretensão da aplicação retroativa do fim do programa ao passado dia 16 de Fevereiro, dia do simples comunicado de Conselho de Ministros, em que foi apresentada a primeira versão do Pacote “Mais Habitação”.

Desde logo, há que dizer que um anúncio ou uma conferência de imprensa de um Conselho de Ministros não tem validade jurídica. Além do mais, pretender aplicar retroativamente às leis é atentatória de tudo aquilo que se referiu anteriormente. Tudo isto viola ainda o constitucional princípio da proteção da confiança e também os legítimos interesses adquiridos de quem investiu e acreditou no nosso País. Aquelas medidas irão ainda levar a enorme litigância, estando em causa quase dez mil renovações em curso. Diria até que esta medida a avançar poderá levar a graves problemas diplomáticos, uma vez que estamos a falar de investidores estrangeiros, cujos legítimos interesses ficam totalmente prejudicados.

Por outro lado, há que o dizer: há muito tempo, reforçado agora em tempo oportuno durante período de discussão pública do Pacote “Mais Habitação” e, portanto, antes das medidas tomadas, que a APPII apresentou ao Governo alternativas sobre o fim dos Vistos Gold. Desde logo, advertimos o Governo de que qualquer fim dos Vistos Gold deve prever um período razoável, com bom senso, de vacatio legis e, portanto, de transição para uma norma abruta como o fim deste programa. Sempre se dirá que qualquer concretização do fim do programa só deverá ter aplicação a partir de Janeiro de 2024, devendo o regime vigorar durante todo este ano, permitindo que os investidores tenham tempo suficiente e razoável para readequar os seus investimentos.

Depois, tivemos a oportunidade de, também em tempo útil nos últimos anos, apresentar por diversas vezes ao Governo que o programa de Vistos Gold não pode e não deve acabar. A tudo levando a crer que o programa é importante para o País e é importante para a economia, para a criação e manutenção de emprego, para a reabilitação das cidades e que pode e deve ser aproveitado também para criar mais habitação acessível aos portugueses. Assim indiquemos o caminho aos investidores, que eles o trilharão sem qualquer dúvida.

Para fim, o problema da Habitação tem de ser resolvido em conjunto com os privados. Da parte dos promotores e dos investidores há todo o interesse em conseguir construir casas que os portugueses possam pagar. Não é a mexer no lado da procura que vamos resolver o problema. O fim do Alojamento Local não vai resolver o problema da Habitação, o fim dos Vistos Gold não vai resolver o problema da Habitação. Pior ainda, quando o financiamento hoje em dia é uma dificuldade, o acesso ao financiamento até para construir projetos, então porque é que não pomos, por exemplo, o programa Vistos Gold à disposição do arrendamento acessível e organizamos de forma a poder ser canalizado para construir mais casas para os portugueses?

Os investidores estão disponíveis para isso: se nós dissermos a um investidor Golden Visa que agora, em vez de investir em classes mais altas, pode investir também em construção para arrendamento em casas acessíveis, eles estão disponíveis para isso.

Acredito seriamente que o programa poderia e deveria evoluir no sentido da inclusão como atividade de investimento elegível, por exemplo, o programa de arrendamento acessível do Governo ou a construção nova ou aquisição de habitação e rendimento acessível espalhado por esse País fora.

Como tantas vezes tenho dito, o programa Vistos Gold de 2012 não é certamente o programa de 2023, as necessidades do país em 2012 não são as necessidades do país em 2023 e, portanto, o programa poderia e deveria evoluir. Deitar à rua 700M€ por ano não é certamente a solução. Podemos aproveitar esse capital para alocar o investimento de Vistos Gold à habitação acessível ao arrendamento acessível, ao smart visa, ao green visa, ao social visa, como diversas vezes apresentámos ao Governo e ao Parlamento no passado.