Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

A habitação em Portugal é “um poço sem fundo?”

20/09/2023

O problema da habitação é um problema estrutural, que se tem vindo a agravar nas últimas décadas e que só se resolverá, em grande parte, com a de muito mais casas no mercado. Este é um dos principais problemas. Um mercado altamente desequilibrado, onde a procura (maioritariamente nacional) abunda e a oferta diminui a cada ano, a cada década que passa.

Construímos menos 15% esta década do que a anterior. O parque habitacional cresceu apenas 1% nos últimos dez anos. Mesmo em 2023, construímos por semestre metade das casas novas de cada um dos semestres do ano anterior (4.700 novos apartamentos no primeiro semestre de 2023, contra 8.200 novos apartamentos por semestre de 2022). Mas o cenário é pior: dos novos empreendimentos que conseguimos construir este ano, 50% dos seus apartamentos já foram vendidos em planta, o que quer dizer que, ao dia de hoje, já só temos cerca de 2.000 apartamentos novos para vender aos portugueses. Muito graves e evidentes estes números...

Corroboro, por isso, as declarações da comissária europeia Elisa Ferreira, que na passada sexta-feira admitiu que a “habitação (assim e como estamos atualmente pode mesmo ser) um poço sem fundo, onde vamos parar se financiarmos a habitação? É preciso que haja mesmo uma falha de mercado para que esta tenha de ser preenchida com dinheiro dos fundos europeus”, volto a afirmar... Não há uma falha de mercado. Este é o ponto…

Não falta interesse aos privados para serem parte da solução, para construir mais e para ajudar o país a resolver este grande desígnio de ter mais habitação. Queremos construir mais, essa é o nosso trabalho, a nossa profissão.

Os privados estão aqui e estão prontos para colaborar, mas não conseguem! Não conseguem porque não têm condições para o poder fazer. Existem inúmeras barreiras à entrada que dificultam o avanço de mais projetos, veja-se o exemplo da enorme carga fiscal que recai sobre a criação de habitação para os portugueses, para os jovens e para as famílias, a morosidade dos processos de licenciamento sobre a habitação, a instabilidade legislativa e fiscal, o congelamento das rendas em todos os sectores, tanto habitacional como não habitacional, etc.

Sem dúvida que seria vantajosa a priorização do licenciamento para as novas construções por forma a potenciar o investimento nelas aplicado, e assim podermos trazer ao mercado, de forma mais rápida e com isso mais barata, as tão necessárias habitações. Por outro lado, há que dizer: a construção de novos fogos habitacionais tem também associada a questão do financiamento. Com o aumento crescente do custo da construção, parece-me premente também a existência de linhas de financiamento bonificadas que, tendo a garantia do Estado, possam ser geridas através da banca ou do Banco de Fomento. Esta solução pode também ser alavancada através do financiamento de capitais próprios com recurso a investidores de Vistos Gold, à semelhança do que foi feito na hotelaria. Para desta forma podermos conseguir investidores estrangeiros a construir novos fogos habitacionais em Portugal com destino ao arrendamento, e, em parte por exemplo para rendas acessíveis.   

Mais, reforço o que tenho vindo a afirmar: se não conseguirmos alargar a taxa reduzida do IVA ou a sua dedutibilidade a toda a construção de habitação própria e permanente, mas também trazer mais mão-de-obra, aumentando a capacidade instalada baixando os custos, será muito difícil conseguirmos responder às necessidades de habitação sentidas no nosso País.

O caminho só pode ser este que tracei acima, pois, se não conseguirmos chegar a boas medidas em curto espaço de tempo não perde só o imobiliário, perde Portugal e perdem os portugueses, que assim continuarão sem ter uma casa que possam pagar.

A habitação não deve ser e não precisa de ser “um poço sem fundo”. Há capital e há muita vontade e interesse em fazer casas acessíveis em muito larga escala, mostrando-se assim que, de facto, o mercado não está a falhar, simplesmente o mercado não está a conseguir funcionar de forma adequada, mais uma vez: por falta de condições que viabilizem este tipo de projetos.