Carlos Suaréz
Carlos Suaréz
Administrador da VICTORIA Seguros

Haja Juízo!

22/01/2025

No entanto, e antes de tentar perceber o que está em causa, parece conveniente oferecer um esquisso de enquadramento (necessariamente imperfeito) do panorama habitacional espanhol. Sem surpresas, o mercado residencial padece duma aparente falta de habitação disponível, apesar de existirem quase 4 milhões de habitações desocupadas, 3 milhões em arrendamento e mais de 350.000 unidades destinadas ao AL. Sofre, igualmente, por causa duma oferta nova eventualmente insuficiente, visto que a construção de fogos novos (90.000 por ano) não consegue equiparar-se à formação de novas unidades de família (265.000 por ano), com um défice atual acumulado à volta dos 600.000 fogos e projetado para 2030 em torno de 1,5 milhões. Finalmente, o mercado parece sentir a ausência de suficiente solo disponível para desenvolver empreendimentos de nova construção. Evidentemente, a integração dos efeitos resultantes das três situações convida a pensar em mercados tensionados, desequilíbrio entre as curvas mais conhecidas da teoria económica e preços de aquisição ou aluguer bem longe do poder de compra médio, levando em linha de conta que, para um mesmo cenário de análise, o incremento dos primeiros (valores de compra ou arrendamento) ronda os 50% e o segundo (salários) os 17%. É isto – e a menos falada, mas igualmente relevante, gentrificação – que torna o assunto da incapacidade de acesso à habitação num problema social e económico para o país e numa oportunidade para refletir sobre futuras políticas públicas, centradas mais na resolução do puzzle habitacional que no desenvolvimento da atividade económica. 

Ora, no anúncio da passada semana, o Governo espanhol apostou as suas fichas intervencionistas para garantir o acesso futuro à habitação pública – conceitualizada como bem social (ao invés dum produto de livre comércio no mercado aberto) – em duas linhas de atuação. Por uma parte, no aumento do parque público a custos controlados de natureza perpétua (habitação sem possibilidade de se transformar em ativo privado com o passar dos anos), encarregue à nova empresa pública de habitação, munida de ativos imobiliários, solos e fluxos financeiros; na implementação dum plano estratégico, apoiado por fundos europeus, orientado ao desenvolvimento da construção modular e industrializada; num sistema de garantias públicas e incentivos fiscais que dinamize a oferta de arrendamento a preços controlados e assegure as rendas dos senhorios; numa eventual reforma da legislação sobre o solo; e nos subsídios para a reabilitação de unidades devolutas destinadas ao aluguer acessível. Por outra parte, no aumento da carga fiscal e a vigilância apertada do AL, na redução das vantagens fiscais das sociedades de investimento e gestão imobiliária e na condenação fiscal dos compradores não comunitários e não residentes.  Independentemente de considerações técnicas, eu diria que – excetuando duas medidas – este anúncio está mais próximo duma brincadeira que duma proposta séria de trabalho, embora seja fácil compreender o que provoca a reação do executivo espanhol. Parece-me que intervir por decreto no mercado raramente traz benefícios para a maioria e proibir que os agentes económicos atuem com um grau suficiente de liberdade frequentemente adiciona – mais do que subtrai – perturbações no tecido produtivo. E o problema é suficientemente complexo para evitar radicalismos ideológicos e soluções de remendo na proposta de políticas de longo alcance. Não se pode deixar a solução, unicamente, nas mãos do mercado, concordo… Mas também não se adianta nada atacando-o, ao invés de colaborar com ele. Haja juízo!