Historicamente, tem-se demonstrado que o setor da construção não é dos mais céleres a pôr em prática tecnologias disruptivas (às vezes, nem sequer evolutivas), mas penso que, perante a evidência de ganhos substanciais conseguidos com a utilização da IA – 1. na eficiência de processos (produtividade), 2. na velocidade de execução (redução das falhas na gestão) e 3. na rendibilidade dos investimentos – não irá ficar para trás. Por isso, pergunto-me de que forma a IA generativa – e os modelos preditivos baseados em IA – poderão alterar as vigentes soluções de gestão para projetistas, empreiteiros e donos de obra?
Se concordarmos com a ideia de que a IA generativa treinada com dados de qualidade exibe resultados excecionais na sumarização de informação relevante e a geração de novos conteúdos humanoides – leia-se que imitam as capacidades das pessoas… e, simultaneamente, estivermos de acordo com o facto de que, o processo construtivo integral se gere na base de decisões informadas, planeadas com grande antecipação, mais ou menos complexas, multinível, e faseadas no tempo… então poderemos concluir que a utilização desta ferramenta (parcelarmente, hoje; plenamente, amanhã) irá decretar mudanças significativas no seu atual modelo de gestão. Como exemplos segmentados e ainda dispersos do tal uso parcelado das soluções de IA generativa no setor, podemos reconhecer, atualmente, o processamento integral de faturas, a gestão da cadeia de abastecimento, a identificação de violações técnicas e administrativas, a monitorização em tempo real dos trabalhos executados e das medidas de segurança no local da empreitada, o mapeamento de riscos emergentes do cronograma de avanço da obra…
Admitindo a bondade coadjuvante dessas práticas, mas aplicando uma dose de pensamento lateral, eu reflito, por exemplo, à volta do tema da autoria nas primeiras fases do processo construtivo. Tradicionalmente, o direito de autor sobre um projeto de arquitetura ou engenharia corresponde ao seu criador intelectual (ou conjunto deles). Se, amanhã, for uma ferramenta de IA generativa a “criadora” do projeto (total ou parcialmente), até que ponto se poderá dizer que o arquiteto ou engenheiro são titulares da obra? Reflexiono, igualmente, no tocante à imputação das várias responsabilidades individuais, coletivas e cruzadas de qualquer projeto de construção, tradicionalmente suportadas por pessoas ou empresas. Quem irá assumir, futuramente, os erros ou omissões derivadas da geração autónoma de conteúdos defeituosos ou incorretos (as chamadas alucinações) e, mais importante ainda, a quem irá corresponder a indemnização das suas consequências? Penso, por fim, na necessidade de que o promotor ou o gestor de projetos estabeleça um sistema de normalização do risco inerente à IA generativa – em jeito de corta-fogo e para o caso de que a armação desenvolvida para estruturar e manter as bases de dados não possa ser corretamente utilizada pela ferramenta – fundamentado na transmissão do conhecimento residente e a capacitação periódica do fator humano.
Pensado numa outra vertente mais simples, a introdução da IA generativa no âmbito da construção pressupõe, para além do aparecimento de importantes vantagens e desafios consideráveis, uma alteração das soluções de gestão disponíveis para os principais intervenientes no processo construtivo... O que, pela sua vez, incide sobre – e, potencialmente, desfigura – a vigência de direitos, responsabilidades e cautelas antecipadas de todos eles. Devo, seguramente, continuar a cogitar sobre o assunto.