Previsivelmente, este fenómeno está a produzir um efeito inquietante: a polarização social. As cápsulas de IA, criadas para nos servir, acabam por isolar-nos em bolhas onde só ecoam ideias que confirmam aquilo em que já acreditamos.
A interação nas chamadas redes sociais tornou-se um campo de batalha marcado pelo despudor, pelo ódio e pelo insulto (quase como um cão que, gota a gota, marca o seu território). Hoje, o lixo não está apenas nos oceanos; está também nas redes de interação pessoal que, em vez de conectar, se transformaram num mar de ruído tóxico.
As consequências começam a ser visíveis: sociedades divididas, diálogos impossíveis, a diferença percebida como ameaça. Polarização é sinónimo de separação – e a separação é terreno fértil para o conflito. Esta é, paradoxalmente, a herança e a oportunidade que a IA nos oferece. Oportunidade porque, tal como criámos este “lixo” digital, temos também à nossa disposição as ferramentas para limpar e construir algo novo.
No setor imobiliário, a IA está a revelar-se uma dessas ferramentas transformadoras. Até há pouco tempo, tomar decisões sobre comprar ou vender uma casa baseava-se em análises tradicionais: localização, preço, histórico do mercado. Hoje, com a IA, é possível projetar cenários de valorização ou desvalorização de um imóvel com base em milhões de interações colaterais: políticas urbanísticas, tendências de mobilidade, dados demográficos, alterações climáticas e até padrões sociais emergentes.
Isto já não é ficção científica. Já está a acontecer. E, ao contrário de muito do lixo que a IA tem produzido, estas aplicações podem ser profundamente úteis. Podem ajudar famílias a fazer escolhas mais informadas, investidores a tomar decisões mais conscientes e cidades a planear o futuro com maior rigor.
No entanto, há um imperativo ético que não podemos ignorar: se conseguimos usar IA para prever o mercado, também temos de a usar para melhorar o mercado, de forma a promover transparência, inclusão e sustentabilidade.
Tal como urge descarbonizar o planeta, talvez seja ainda mais urgente limpar o lixo que geramos nas nossas interações digitais. Substituir o ruído pela compreensão, a ignorância pela eficiência, o ódio pela empatia.
No imobiliário, isso pode significar não só dados mais precisos, mas também relações mais humanas. Porque uma casa é um ativo; mas é também um espaço de vida, de comunidade, de diferença. E talvez a verdadeira revolução da IA seja esta: devolver-nos a capacidade de ver o outro, de compreender o mundo para além das cápsulas em que nos fechámos.
Se a IA pode “fabricar” cápsulas de convicções, também pode ajudar a abrir janelas. E, por aqui, é tempo de arejar.