Por vezes, questionamo-nos acerca do modo como tantas famílias portuguesas conseguem enfrentar a aquisição de imóveis. As respostas, embora complexas, não têm mistério.
O mercado imobiliário é sensível a estímulos e é composto por pessoas. Em Portugal, a maioria das transações imobiliárias (cerca de 90%) envolve imóveis usados, comprados e vendidos por agregados familiares que, muitas vezes, o fazem com o intuito de melhorar as suas condições de habitação. Outras, na sequência de eventos sociológicos- o casamento, a união, a separação, a morte, o nascimento, a deslocalização, entre outros-, que implicam uma transação imobiliária.
Devido ao facto de as casas terem valorizado muito e porque o proveito da venda é das pessoas, a realidade é que quando alguém vende uma casa, está financeiramente capaz de enfrentar uma aquisição superior, tendo uma dotação financeira mais elevada para efetuar a nova compra.
A título de exemplo, um agregado familiar que tenha comprado uma casa há 20 anos, numa zona suburbana do Porto, terá hoje um proveito até quatro vezes superior ao que o imóvel anteriormente custou. Terá uma dotação financeira muito maior do que vinha acontecendo, valorização que proporciona aos vendedores uma capacidade financeira maior para enfrentar uma nova aquisição.
Adicionalmente, o governo português tem estimulado este cenário. As normas fiscais que regem as mais-valias imobiliárias incentivam os proprietários a reinvestir em imóveis de valor igual ou superior ao da casa vendida para poderem beneficiar da isenção total de impostos sobre as mais-valias. Para evitar a tributação, as pessoas são motivadas a adquirir propriedades mais caras.
Este sistema cria uma dinâmica de mercado onde os preços das casas continuam a subir, alimentados por um ciclo de valorização e reinvestimento. Os proprietários que vendem as suas casas encontram-se numa posição financeira fortalecida para comprar imóveis de maior valor, o que, principalmente num cenário de escassez de oferta, eleva os preços no mercado.
Pelo contrário, seria previsível que um agregado familiar com 65 ou 70 anos que tenha adquirido casa há 25 ou 30 anos atrás, tenha hoje uma casa desajustada com as suas necessidades. Ao equacionar vender e usufruir da valorização que a casa teve, para comprar uma casa mais barata, mais pequena, noutra localização, com o objetivo de dispor de maior liquidez, é fiscalmente incentivado a não o fazer. Isto porque o quadro fiscal que permite menor custo, implica a compra de uma casa por valor idêntico ou superior.
Esta realidade apresenta outro desafio significativo: aqueles que ainda não possuem qualquer casa enfrentam cada vez mais dificuldades para entrar no mercado.
É crucial refletir sobre o impacto dessas políticas e sobre como podemos equilibrar o mercado imobiliário para torná-lo acessível a todos. O papel do Estado deverá focar-se em assegurar o crescimento do mercado de forma sustentável, procurando um equilíbrio justo e inclusivo.