A habitação está, previsivelmente, no espectro das mais urgentes e sensíveis. Num contexto de crescente pressão sobre o mercado, onde a escassez de oferta e os preços elevados comprometem o acesso à habitação por parte de milhares de famílias, é imprescindível que o novo Governo saiba interpretar o momento e agir com sentido de urgência e em conformidade com as promessas feitas, mas também com ponderação, visão a longo prazo e diálogo com os diferentes agentes envolvidos.
Nos últimos anos, as políticas públicas de habitação foram alvo de forte contestação. O programa Mais Habitação, apesar de partir de uma intenção legítima – a de melhorar o acesso à habitação – acabou por gerar desconfiança, insegurança jurídica e afastamento de muitos investidores. Medidas como o arrendamento forçado de casas devolutas ou as limitações ao alojamento local deixaram marcas no mercado, ao mesmo tempo que não se observaram melhorias significativas na vida de quem procura casa para viver.
Nesta conjuntura, é positiva a intenção já expressa pelo novo executivo de rever ou substituir estas medidas, abrindo espaço a um quadro regulatório mais equilibrado, que volte a gerar confiança e traga estabilidade. O grande desafio será ultrapassar o plano das intenções e concretizar uma política habitacional consistente e exequível.
Incentivar a construção de habitação acessível tem de continuar a ser uma prioridade. Mas para tal, seria essencial esclarecer de que forma será mobilizado o setor privado e qual será o papel do investimento público.
A burocracia urbanística, com processos de licenciamento morosos, continua a ser um entrave significativo à dinâmica do mercado. Rever estes processos, de forma a garantir critérios de rigor, poderá desbloquear projetos, acelerar a reabilitação urbana e permitir respostas mais céleres na procura habitacional. Uma queixa recorrente que, ano após ano, permanece por resolver e sem respostas.
No plano fiscal, a expectativa é de estabilidade. Alterações súbitas em impostos como o IMI, o IMT ou o Adicional ao IMI têm impacto direto na confiança dos investidores. A previsibilidade fiscal é uma condição fundamental para a retoma de um mercado que já enfrenta muitos riscos externos, desde o contexto macroeconómico internacional à evolução das taxas de juro.
As propostas em análise para facilitar o acesso à habitação por parte dos jovens – nomeadamente através de isenções ou reduções fiscais – são bem-vindas, desde que enquadradas num plano consistente de promoção do acesso à primeira habitação.
Importa ainda clarificar o posicionamento face à captação de investimento estrangeiro. A reavaliação dos Vistos Gold e de outros mecanismos de atração de capital pode ser uma oportunidade para dinamizar regiões com menor densidade populacional ou com maior oferta disponível.
A execução dos fundos europeus, sobretudo do PRR, será determinante para dar escala à resposta habitacional. A sua aplicação eficaz exige estabilidade governativa.
O imobiliário é altamente sensível ao contexto económico e político. Cada sinal contraditório, cada mudança abrupta ou falta de clareza nas regras, afasta investidores, agrava os custos de financiamento e retrai a oferta. Impõe-se uma política coerente, transparente e estável, capaz de gerar confiança e mobilizar todos os que podem contribuir para a construção de soluções.
É nesta estabilidade que reside a chave para que Portugal consiga dar uma resposta à altura do desafio da habitação. O modo como este novo ciclo político será conduzido terá consequências diretas na qualidade de vida de milhões de portugueses.