Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

Investidores saem de Lisboa

18/11/2020

Ora, tal tem levado a que o investimento em Lisboa tenha vindo a decrescer consideravelmente, em contraponto a um crescente investimento nas cidades limítrofes da Área Metropolitana. Perde Lisboa, ganha Cascais, Oeiras, Barreiro, Montijo, Seixal, Alcochete, Setúbal.

O Portuguese Investment Property Survey (PIPS, da CI e APPII) do 1º trimestre 2020 mostra que o licenciamento foi o principal obstáculo à atividade (fator inibidor para 95% dos associados da APPII, a larga maioria com projetos também em Lisboa). Mais, o PIPS mostrou ainda claramente que a Reabilitação Urbana vem perdendo quota de investimento ao longo dos últimos meses, com a “cidade de Lisboa a perder peso em favor das cidades envolventes, um padrão que contribui para acentuar a redução de quota da Reabilitação Urbana, que desce de 38% para 29% das intenções de investimento”. Fica então a pergunta: não dizia o Governo que devíamos “reabilitar como regra”? Com estes dados, que demonstram a total insatisfação dos profissionais da cidade de Lisboa face ao ambiente de investimento no município e em concreto na Área de Reabilitação Urbana, algo está errado. Existe uma clara desarticulação entre Estado central e descentralizado, que precisa ser sanada.

Entremos no 2.º trimestre 2020 (PIPS, já em contexto de Pandemia), onde os inquiridos evidenciam as mesmas preocupações. Nada se resolveu e diríamos até que tendeu a piorar com a realidade do teletrabalho dos serviços públicos. Isto é, em contexto de Pandemia, o quadro económico foi naturalmente visto como o principal obstáculo ao setor (85%), mas logo seguido da burocracia, que continua a ser uma das principais restrições à atividade (82%.). Os resultados do 2.º trimestre foram ainda claros ao mostrar que o interesse dos investidores por Lisboa manteve uma rota de queda, passando de 59% para 57%, ao passo que o investimento nas cidades envolventes manteve uma percentagem crescente, com 26% das intenções de investimento.

Já os resultados do 3.º trimestre 2020 (PIPS), vieram tornar ainda mais evidente a preocupação dos investidores face à questão do licenciamento, que voltou a ocupar, mesmo nos difíceis meses de Pandemia e crise económica de Julho a Setembro, o lugar cimeiro, com 85% dos profissionais do sector a indicarem a burocracia como o principal fator inibidor, contra 80% do cenário económico.

Por outro lado, é também um facto que esta fuga de Lisboa tem levado a que a percentagem de processos de Reabilitação Urbana no País tenha decrescido consideravelmente face à construção nova. Com efeito, durante a primeira metade do ano, 81% dos fogos submetidos a licenciamento foram de construção nova e apenas 19% de Reabilitação Urbana. Ou seja, por cada 4,4 fogos de construção nova, apenas 1 foi reabilitado. Insistimos: então e o sloganreabilitar como regra”?

Importa refletir: estes números revelam tão só uma mudança no perfil do investidor? Uma nova dinâmica de investimento fora dos centros urbanos virada para a construção nova? Não, todos sabemos que os investidores estão a deixar de investir em Lisboa, porque se tornou inviável investir na capital.

Vejamos: um processo de licenciamento urbanístico em Lisboa dura mais de 1 ano, a sua maioria tem períodos médios de aprovação de 1 ano e meio e existem processos a demorar 3 anos. Mesmo pequenos atos parcelares de tramitação (aprovação de PH ou o mero pedido de emissão de alvará) demoram mais de 1 ano. O simples pedido de vistoria final demora meio ano até ser agendado, ficando depois a faltar a sua execução, relatório e conclusão. Há processos parados sem qualquer intervenção ou consulta pelos técnicos, após receção nos serviços, durante mais de 1 mês. É por isso que o licenciamento é atualmente o maior obstáculo e o maior imponderável de um projeto urbanístico.

Perdem os profissionais da cidade, que se vêm obrigados a procurar investimentos noutras paragens, perde Lisboa porque vai deixar de poder contar com os privados na colocação de mais oferta, nomeadamente habitacional, mas não só…. É que os atrasos nos licenciamentos camarários estão a inviabilizar não só o decurso de muitos projetos, mas também o arranque de outros, a maioria destinados a habitação para a classe média. Portanto, perdem também as famílias portuguesas, que continuarão a ver-se impossibilitadas de habitar em casas a preços acessíveis, por falta de oferta, falta de quem lhes construa as suas casas. A anunciada oferta habitacional pública (camarária e Estado) não vai chegar para colmatar a procura de habitação pelos portugueses.

Por fim, há que atentar no real impacto que o atraso no licenciamento tem no mercado habitacional: cada ano de atraso no licenciamento obriga a um aumento de 14% dos preços de venda dos fogos habitacionais (para fazer face ao custo que tal atraso representa nas contas globais do projeto). Ou seja, o atraso no licenciamento é o responsável pelo aumento de € 500/m2 no preço final de venda de uma habitação. Portanto, a criação de um mercado habitacional para lisboetas está dependente também da agilização dos processos de licenciamento. Sem isto, está-se a inviabilizar o arranque de muitos projetos, está-se a contribuir para um aumento dos preços da habitação na cidade, com prejuízo para todos e em especial para as famílias portuguesas.